Folha de S. Paulo


Em documentário, Marina Abramovic registra viagem religiosa pelo Brasil

Marco Anelli/Divulgação
Cena de â€Espaço Além â€
Cena do filme "Espaço Além"

"Não é exatamente champanhe." A frase é da bem-humorada artista sérvia Marina Abramovic, após tomar um golinho de ayahuasca na Chapada Diamantina (Bahia). Em uma viagem espiritual pelo Brasil, ela também visitou uma cerimônia de candomblé, o médium João de Deus e curandeiros diversos.

"Sou fascinada por rituais e suas relações com a performance. A conexão está na transformação", diz no documentário "Espaço Além - Marina Abramovic e o Brasil", exibido no último fim de semana no South by Southwest (SXSW), festival de música, cinema e tecnologia em Austin (EUA). O documentário chegará ao Brasil em maio.

Ao tomar chá de cipó, Abramovic achou que a primeira dose não faria efeito e pediu uma segunda. Dois minutos depois, despencou. "Foi talvez a pior experiência da minha vida. Apenas cagava, vomitava e fazia xixi. Era como se tivessem me quebrado em mil pedaços."

Ela aparece ao longe, pelada, perto de uma fogueira, em cenas sutis registradas contra a vontade da artista pelo diretor brasileiro Marco Del Fiol. "Ela me proibiu, disse para filmar só até tomar o chá. Quando me assegurei que ninguém ia morrer ali, resolvi filmar", disse à Folha. "Um ano depois, ela teve coragem de ver as cenas e me agradeceu por ter desobedecido."

Marco Anelli/Divulgação
Cena de â€Espaço Além â€
Cena do filme "Espaço Além"

O documentário registrou três viagens de Abramovic pelo Brasil, de 2012 a 2014. Ela veio para fazer pesquisas e passar por um processo de cura em sua vida pessoal, quando enfrentou a separação de um grande amor.

A primeira parada foi em Abadiânia (Goiás), onde ela se encontrou com João de Deus e presenciou cirurgias físicas fortes (com faca no olho, por exemplo).

Ela também foi à comunidade religiosa Vale do Amanhecer, no Distrito Federal, visitou uma curandeira na Chapada dos Veadeiros (Goiás) e passeou por um centro de orixás em Cachoeira (Bahia).

Em Curitiba, conheceu dois xamãs que cobriram seu corpo de lama, leram pedras e lhe deram ayahuasca de novo, desta vez uma experiência mais serena e contemplativa.

Segundo Fiol, Abramovic não tem frescura, mas tem "algo de diva". "Não de dar chilique, mas de autoimportância, vaidade, sofrimento."

Segundo a artista, a viagem lhe ensinou a dar ferramentas para o público. "Cada um precisa fazer sua própria jornada pessoal. Vou me retirar completamente do público. O público é o trabalho."

"Você passa por um ritual e você não é mais o mesmo, você aprende algo. Performance é parecido. Quanto mais forte a performance, mais forte é a transformação."

Segundo Fiol, a passagem pelo Brasil mudou o trabalho da artista. Suas performances seguintes, em Londres e Nova York, deixaram de contar com sua presença obrigatória ou a colocavam misturada aos visitantes da galeria.

"Ela se dessacralizou, falou: 'Eu sou um de vocês'. Ela é obcecada com a morte. É como se estivesse limpando a casa, sabe?", afirma o diretor.

No documentário, o espectador entrevê a intimidade de Abramovic, que compartilha seus segredos de estrada.

"O que me salva, seja aqui no meio do nada no Brasil ou na Índia, na Nova Zelândia ou no Polo Sul, é isto aqui", diz ela, tirando de um saquinho um alho e uma cebola, comendo como se fosse uma fruta qualquer. "São antibióticos naturais", ela comenta, fazendo careta ao morder o alho. "Nossa, este aqui é forte demais, nunca vi. Trouxe lá de Minas Gerais."


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