Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Falta de um fio condutor óbvio prejudica livro de Paula Fábrio

Em 2013, Paula Fábrio venceu o Prêmio São Paulo de Literatura na categoria autor estreante com "Desnorteio". "Um Dia Toparei Comigo", seu segundo romance, é uma espécie de relato de viagem.

Como representante do gênero, "Um Dia Toparei Comigo" ressalta a transformação ocorrida no íntimo de quem realiza o deslocamento. No caso, uma narradora a quem não faltam incertezas e conflitos. Com a namorada, Virginia, ela parte para a Espanha. Não é a única viagem das duas, mas é a mais marcante.

Logo se percebe a mistura de cenas mais ou menos tangíveis com pensamentos desordenados –estes últimos sofrem influência das muitas leituras da narradora. O texto intercala, e não raro sobrepõe, passado e presente, reflexão e impressão ligeira. Não funciona bem. Aqui, na dificuldade de conciliar artifícios e registros, residem, em parte, os problemas do livro.

Davi Ribeiro/Folhapress
Paula Fábrio vencedora na categoria auto estreantes com mais de 40 anos do prêmio São Paulo de Literatura, o maior do país em valor (Foto Davi )Ribeiro / Folhapress / ILUSTRADA
Paula Fábrio no prêmio São Paulo de Literatura, em 2013

A tudo a narradora observa com intranquilidade. Ela acaba se apaixonando por Luis, um emigrante brasileiro, o que impõe a questão do poliamor. No fim das contas, a viagem não é nem de longe um idílio. A doença do tio de Luis desperta, na protagonista, a lembrança dolorosa da doença do pai.

Natural que ela, não tão jovem, acabe por confrontar também a própria mortalidade –da qual a viagem pode ser uma tentativa de escapar. "A estrada tentaria me engolir. Por isso avançávamos", diz.

Paula Fábrio dá preferência às frases curtas, seguindo um ritmo que às vezes lembra um carrinho de rolimã tentando descer uma rua de paralelepípedos. Quando arrisca certa musicalidade, o resultado pode ser desastroso: "Sol, suor, samba. A pele, o tato, o contato".

Já as tentativas de captar as sutilezas do estado de espírito da narradora podem dar com o vazio ou com o clichê ("despir-se um tanto de si mesmo", "me desfaria pedaço a pedaço"). Essa mesma busca alucinada por uma impressão de profundidade facilmente identificável, que brilhe em néon, não raro termina num dramalhão repleto de autopiedade.

Os trechos que mostram a decadência física de alguns personagens são narrados com a mesma mistura de recursos, que aqui vão da metáfora ruim à crueza inescapável. É fácil lembrar de "Patrimônio", livro em que Philip Roth descreve a ruína sem circunlóquios meditabundos. A cena, por si, basta.

A falta de um fio condutor óbvio, que em alguns livros resulta interessante, aqui é uma falha. A voz da narradora –sua tentativa de negociar com a culpa e a finitude– não basta para manter um todo mais ou menos coeso. No fim das contas, as oscilações acabam por formar um livro estupendamente maçante. A ideia da trama é boa. A execução, não.

UM DIA TOPAREI COMIGO
AUTORA Paula Fábrio
EDITORA Foz
QUANTO R$ 37,90 (160 págs.)


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