Folha de S. Paulo


análise

George Martin criou alguns dos momentos memoráveis do pop

George Martin, o produtor musical, arranjador e compositor cuja genialidade, capacidade de invenção e gosto pela experimentação ajudaram a fazer dos Beatles um dos tesouros da música do século 20, morreu em Londres, aos 90 anos, de causas não divulgadas.

Numa carreira de mais de seis décadas, Martin —chamado de "o quinto Beatle"— trabalhou com música clássica, gravou discos de humor, compôs trilhas sonoras para cinema e produziu artistas famosos como Elton John, Wings, Ella Fitzgerald, America, Robin Gibb e Gerry and the Pacemakers. Mas foi seu trabalho em 12 álbuns dos Beatles que o tornou conhecido como um dos grandes produtores, um bruxo de estúdio que criou alguns dos momentos mais memoráveis da música pop.

Seu arranjo de cordas em "Eleanor Rigby", a tabla indiana que colocou em "Love You To", o quarteto de cordas em "Yesterday", a guitarra gravada de trás para frente dando o tom psicodélico a "Tomorrow Never Knows", sua orquestração marcante e aparentemente caótica em "A Day in the Life", o coral de 16 pessoas cantando frases sem sentido para realçar a confusão no fim de "I am the Walrus", foram algumas das ideias de Martin que os Beatles incorporaram a suas canções.

Quando conheceu os Beatles, em 1962, Martin tinha 36 anos e já era um veterano da indústria fonográfica, tendo estudado música clássica e gravado inúmeros discos para a gravadora Parlophone, aonde chegara em 1950. Martin reconheceu naqueles quatro jovens de vinte e poucos anos um talento incomum para compor canções memoráveis. Tudo que precisavam era alguém que abrisse seus horizontes musicais.

Foi o que Martin fez. Aproveitando as tecnologias de estúdio que surgiram no fim dos anos 1950, especialmente gravadores que permitiram captar som em múltiplos canais, o produtor começou, gradualmente, a fazer dos discos dos Beatles plataformas de experimentações sonoras. Suas primeiras sugestões foram simples: acelerar o andamento de "Please Please Me" (1962), adicionar piano (tocado pelo próprio Martin) em faixas como "You Really Got a Hold on Me" (1963) e "Money" (1963) e órgão em "I Wanna Be Your Man" (1963)

Com a rápida evolução musical dos Beatles, Martin começou a sugerir arranjos e produções mais complexos. Logo, John Lennon e Paul McCartney perceberam as infinitas possibilidades do estúdio. Foi a partir do trabalho de produtores como Martin na Inglaterra e Phil Spector nos Estados Unidos que o estúdio de gravação começou a ser visto como um local de testes e experimentações, e não apenas como o lugar onde se gravava bandas da mesma forma como elas soavam ao vivo.

Em meados dos anos 1960, com a guinada psicodélica do grupo —e especialmente depois que os Beatles pararam de fazer turnês, em 1966— a banda e Martin mergulharam de cabeça nos experimentalismos sônicos que resultariam em álbuns clássicos como "Rubber Soul" (1965), "Revolver" (1966) e "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" (1967). As inovações que eles criaram marcariam a música pop para sempre, provando que era possível fazer um trabalho experimental e de vanguarda, mas também de imenso sucesso comercial.

Em "In My Life" (1965), Martin gravou um solo no piano elétrico a metade da velocidade normal. Quando a fita foi rodada na velocidade certa, o som lembrava o de um cravo. Em "Tomorrow Never Knows" (1966), o produtor gravou a voz de Lennon saindo de um alto-falante Leslie, geralmente usado para gravar teclados. O resultado foi uma distorção fantasmagórica da voz, que realçou o tom surrealista e lúdico da canção.

Os arranjos orquestrais, de corais e cordas que Martin fez para faixas como "A Day in the Life" (1967), "I am the Walrus" (1967), "Eleanor Rigby" (1966) "All You Need is Love" (1967) e "Strawberry Fields Forever" (1967) tornaram as canções eternas.

Além de bilhões de fãs, George Martin deixou a esposa Judy Lockhart Smith, com quem era casado há quase 50 anos, e quatro filhos.

ANDRÉ BARCISNKI é jornalista e autor do livro "Pavões Misteriosos" (Três Estrelas)


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