Folha de S. Paulo


Cortes e falta de repasses do governo de SP geram ao menos 206 demissões

Eduardo Anizelli/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 28-01-2016, 19h30: Publico durante ultima abertura de uma exposicao no Paco das Artes. O museu sera fechado e o predio vai ser transformado em uma fabrica de vacinas. (Foto: Eduardo Anizelli/Folhapress, ILUSTRADA) ***EXCLUSIVO***
Com redução de 10% no valor do contrato, a Associação dos Amigos do Paço das Artes, que cuida do Museu da Imagem e do Som e do Paço das Artes, teve de dispensar 18 funcionários

"Foi um golpe baixo." Esta é a expressão usada por Emanoel Araujo, diretor do Museu Afro Brasil, ao falar sobre a redução de verba e de equipe no ano passado.

No decorrer de 2015, a Secretaria da Cultura reduziu os repasses à Associação Museu Afro Brasil, gestora da instituição, em 12% —de R$ 10,75 milhões para R$ 9,46 milhões. "Esse valor não cobre as despesas", afirma Araujo.

Com menos recurso em caixa, a instituição teve de demitir 25 dos cem funcionários.

O caso do Museu Afro Brasil não é único. Segundo levantamento da Folha, além dos 25 profissionais desligados do museu, ao menos outras 181 pessoas foram demitidas, entre 2015 e março de 2016, de organizações culturais com as quais o governo de São Paulo mantém contrato.

caso a caso - Quantos foram demitidos e quanto as instituições perderam

A Associação dos Amigos do Paço das Artes, que cuida do Museu da Imagem e do Som e do Paço das Artes, desligou 18, além de reduzir pela metade as oficinas do Pontos MIS —que passaram de mensais a bimestrais. Também suspendeu a Residência Pontos MIS, "que não ocorreu em 2015 e não ocorrerá em 2016", conforme informações da assessoria do museu.

A Associação dos Amigos do Conservatório de Tatuí cortou 46. Segundo Henrique Autran Dourado, diretor do conservatório, a organização também zerou o número de eventos de grande porte, como a recepção de músicos internacionais —foram 10 em 2014.

O Instituto Poiesis, que faz a gestão de oficinas culturais, fábricas de cultura, Casa das Rosas e Casa Guilherme de Almeida, reduziu as sedes de oficinas do interior de 15 para 10, o que gerou 27 demissões.

Já a Fundação Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo demitiu 35. A Associação Pró-Dança, responsável pela São Paulo Companhia de Dança, dispensou 11 funcionários. A Associação Pinacoteca, que faz a gestão da Pinacoteca do Estado, da Estação Pinacoteca e do Memorial da Resistência, demitiu 29 profissionais no ano passado. O Instituto da Arte do Futebol Brasileiro, organização por trás do Museu da Língua Portuguesa e do Museu do Futebol, dispensou 15.

Os cortes de funcionários são resultado de reduções nos contratos de 2015. A Folha apurou que 12 das 20 organizações sociais com as quais a Secretaria da Cultura mantém acordos tiveram diminuição dos valores de repasse no decorrer de 2015. Somados, os cortes chegam a R$ 31,57 milhões dos R$ 518,67 milhões previstos no começo do ano passado.

Além de cortes em verbas, a secretaria não efetuou alguns repasses. Levantamento da Folha mostra que nove organizações não tiveram a totalidade dos recursos previstos em contrato. Tais valores somam R$ 20,48 milhões.

"Este ano será ainda pior", prevê Emanoel, que, para 2016, firmou acordo com a secretaria no mesmo valor de 2015 —R$ 9,46 milhões. Apesar de não haver redução, o valor não tem reajustes como inflação (10,67% no ano passado) e dissídio dos funcionários (11,5%). "É um cenário muito grave."

Editoria de arte/Folhapress
VERBAS PARA ORGANIZAÇÕES CULTURAIS EM 2015Total de contratos, repasses e cortes nas instituições

OUTRO LADO

Em entrevista concedida à Folha em fevereiro, o secretário da Cultura Marcelo Mattos Araujo afirmou que, com cenário econômico em 2015 "pior que as previsões no começo do ano", os cortes nos contratos durante o exercício foram necessários.

"[A crise econômica] Não é um problema específico da área da cultura, mas é claro que a cultura sentiu o impacto", disse, em referência ao contingenciamento determinado pelo governador Geraldo Alckmin no ano passado.

Em 2015, excluindo gastos com fundações e folha de pagamento, a secretaria teria R$ 705,57 milhões para usar —inclusive com repasses a organizações culturais. Contudo, houve bloqueio de 18,13% do valor, restando à pasta R$ 577,64 milhões.

Sobre a falta de repasses, o secretário diz que "[o montante] não foi transferido porque não havia orçamento".

Ele ressaltou que, para cobrir a falta de repasses, as organizações culturais puderam usar o fundo de reserva que é composto por 6% de todo o valor destinado à instituição no primeiro dos quatro anos de contrato.

Em um cenário normal —com a economia nos trilhos e sem atrasos de recursos—, esse percentual retornaria aos cofres da secretaria ao fim do quadriênio. Devido à crise e à utilização do fundo, isso não vai ocorrer.

Quanto às verbas deste ano, o cenário é incerto. "Estamos estudando detalhadamente cada caso, junto às organizações, para definir os orçamentos finais para 2016", disse o secretário que, no momento, está assinando acordos referentes a este ano.

O estado das contas das organizações é reflexo do cenário econômico que afeta, inclusive, a própria Secretaria da Cultura. O orçamento para 2016 é de R$ 822,58 milhões —13% a menos que em 2015.

Considerando apenas recursos do Tesouro e sem os gastos com fundações e servidores, a pasta teria, neste ano, R$ 597,88 milhões para usar —15,26% a menos que no ano passado—, mas, devido a um contingenciamento de R$ 90,03 milhões, a secretaria tem R$ 507,84 milhões —12,08% menos que em 2015.

O contingenciamento estava previsto em janeiro, quando Alckmin anunciou o congelamento de R$ 6,9 bilhões do orçamento do Estado neste ano —3,3% do total previsto na dotação orçamentária, de R$ 207,4 bilhões.

A redução no orçamento se deve à expectativa de queda de R$ 4,3 bilhões na arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).

Com isso, o imposto, que representa cerca de 70% da arrecadação do Estado, deve gerar receita de R$ 95,4 bilhões aos cofres de São Paulo —redução de 4,3% em relação aos R$ 99,8 bilhões previstos na Lei Orçamentária Anual aprovada no fim de 2015.

Colaborou REYNALDO TUROLLO JR.


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