Folha de S. Paulo


minha história

Grafiteiro fã dos Stones é convidado a pintar com Ron Wood

Leia a seguir o depoimento de Flavio Rossi à Folha:

Quando o artista plástico Ivald Granato me convidou para fazer o grafite que receberia a intervenção de Ronnie Wood, eu não acreditei. Sou fã dos Stones desde pequeno, eles sempre foram uma inspiração. Costumo deixar os vídeos dos shows rolando enquanto pinto.

Perdi o show de Copacabana [2006] e tive uma frustração que só passou na quarta-feira (24), quando finalmente tive a oportunidade de ver a banda ao vivo no Morumbi.

Marcus Leoni/Folhapress
O artista Flavio Rossi
O artista Flavio Rossi

Durante o show, percebi a grande influência que eles exercem no meu trabalho. Tem um elemento que eu trago muito para a pintura: a boca exacerbada. Finalmente entendi porque eu uso tanto essa informação. É a expressão que eu senti no show. A expressão da voz, do grito, de um ponto de vazão da emoção, uma extensão da alma.

Talvez seja porque eu seja um cara ansioso e sou tímido, observo muito mais do que falo. Essa boca grande pode significar o grito de tudo aquilo que demorei muito para dizer.

Foi difícil definir o desenho que eu faria para o grafite. Tive a ideia de condensar a banda inteira numa só pessoa, num gigante. Me avisaram o horário da filmagem [a ação fará parte de um documentário da BBC] e fiquei lá no beco esperando. Os seguranças chegaram primeiro, junto com a produção do filme.

Ronnie desceu do carro, me olhou e esperou que eu falasse alguma coisa. Mas eu travei. Eu não conseguia falar com ele. Me deu um nó na cabeça. Ele disse que adorou o grafite, pegou uma lata de spray vermelho e começou.

Mas o spray entupiu. E olha que eu tinha verificado todos e estavam funcionando bem. Eu queria trocar o pino da lata, mas fiquei sem saber como tirar a lata da mão dele.

Aí ele pediu a lata do branco e cadê o branco na hora? Não achei e dei o cinza. Ele pediu o vermelho de volta. Eu passei uma lata que estava funcionando bem e foi o timing certo para eu achar a lata do branco.

Ele demonstra intimidade com o spray. Deu para sentir o domínio de quem já tem uma relação com o instrumento. Ele ter feito a boca símbolo dos Stones foi algo que me marcou muito. Porque eu fiz duas bocas dos Stones no grafite.

NÚMERO 3

Eu uso muito o número três no meu trabalho, porque ele racha com qualquer raciocínio da dualidade humana. Sim e não, certo e errado, bem e mal, sabe? Eu não gosto desse tipo de dualidade. Dentro da criatividade, você vem com uma intenção e você logo contrapõe o inverso, para questionar o que pensou. Isso gera uma terceira coisa, que pode criar infinitos pensamentos que vai chegar a um lugar.

Luis Maluf/Art Gallery/Divulgação
Ron Wood, guitarrista dos Rolling Stones, faz grafite em muro durante visita ao Beco do Batman, no bairro da Vila Madalena, zona oeste de São Paulo
Ron Wood, guitarrista dos Rolling Stones, faz grafite em muro durante visita ao Beco do Batman, no bairro da Vila Madalena, zona oeste de São Paulo

Coloquei as duas bocas pensando que ele poderia, sim, fazer a terceira. Um cara que tem uma relação com a pintura, como ele, não vai chegar e autografar a parede, por exemplo. Ele também não ia ter tempo para pintar algo muito elaborado. Aí eu pensei na possibilidade da boca.

Mas foi um pensamento muito vago, não comentei com ninguém. E foi exatamente o que aconteceu, sem que trocássemos uma só palavra a respeito.

Aí começou a chegar gente, uma mulher que estava passando achou que ele era o Roberto Carlos. Surreal!

Ele se preparou para ir embora. Pedi para tirar foto, talvez para acreditar [risos]. Entrei numa reflexão sobre o que a arte é capaz, de como ela trabalha na esfera do impossível. Esse encontro nunca me pareceu imaginável. E aconteceu, por meio da arte.


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