Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Belo e longo, "Do que Vem Antes" traz a vida despojada de razão

Lav Diaz faz parte da categoria de cineastas que não acreditam na tradição dos contadores de história. Praticamente não há história em "Do que Vem Antes". Ou melhor, há. Mas é do tempo, antes de tudo, que se nutre seu cinema.

Não é diferente de outros contemporâneos, como Bela Tarr, para ficar num caso de atualidade. E haja tempo: cerca de 5h30min de duração.

Divulgação
Cena do filme Do que Vem Antes
Cena do filme Do que Vem Antes", de Lav Diaz

Digamos que é um filme em que se entra ou não: comprar um bilhete é aceitar o desafio. O centro de tudo é a vida de uma aldeia de camponeses nas Filipinas em 1972, pouco antes de o ditador Ferdinand Marcos decretar a lei marcial que, segundo ele, daria início a uma sociedade nova.

O dado político é central. Na primeira parte, acompanhamos a vida dos habitantes do local, a luta do homem para sobreviver em ambiente inóspito. E essa sobrevivência se faz, em grande medida, pelo sistema de ajuda mútua entre as pessoas. A completa ausência do Estado é que determina o modo de vida da aldeia.

Falar de aldeia é um tanto inexato: cada casa parece separada de outra por quilômetros de selva. Os (muitos) fatos narrados dizem respeito à existência terrena, mesmo quando a fé está implicada: a morte de uma criança e o canto dolorido da mãe, o fim misterioso de vacas e a culpa atribuída ao guardador, a chegada do padre, a curandeira que lhe pede licença para curar, a presença inquietante do pequeno Hakub e a história fantástica de seu nascimento etc.

Os tempos longos talvez existam para aplacar a descrença nos códigos narrativos tradicionais. Ou como maneira de narrar fatos que se atropelam uns aos outros.

Mas não é apenas o tempo do acontecer que interessa a Diaz. Existe o acontecer e sua espessura. Como se o filme nos convidasse a conhecer esse modo de vida da floresta, o comportamento das pessoas, suas dores e solidariedades num universo que parece ter sido despojado da razão.

A segunda parte começa quando, já com cerca de 3h20min de filme, o exército faz sua aparição, amparado pela lei marcial decretada pelo presidente. À existência precária soma-se a opressão.

O sentimento geral do filme pode ser percebido pela cartela final: "à memória do meu país", escreve o cineasta. Um final lacônico, que rima bem com a beleza seca, despojada e, no entanto, encantadora das imagens.

"Do que Vem Antes" é misterioso com imagens evidentes. Sua força é inegável.

DO QUE VEM ANTES
(Mula sa kung ano ang noon)
DIREÇÃO Lav Diaz
ELENCO Perry Dizon, Roeder, Hazel Orencio
PRODUÇÃO Filipinas, 2014, 16 anos
QUANDO em cartaz
AVALIAÇÃO muito bom 


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