Folha de S. Paulo


Em 1976, 'Estúpido Cupido' retratava infância encantada para o público

Imagine uma novela gravada atualmente, mas cuja ação se passasse em 2001. Apesar do 11 de Setembro, que bagunçou a geopolítica, e da internet incipiente, que ainda não dominava nossas vidas, as mentalidades não eram assim tão diferentes do que são hoje.

Mas, em 1976, o começo dos anos 60 já parecia um passado remoto. A década e meia que separa as duas datas foi repleta de acontecimentos que viraram o mundo do avesso: a liberação sexual, a Guerra Fria, os Beatles, as drogas, o golpe militar...

Para o Brasil da era Geisel, que marcou o fim do "milagre" econômico e o começo em câmera lenta da abertura política, aquela época soava como uma infância encantada.

E assim o país inteiro se deixou seduzir por "Estúpido Cupido", a última novela da Globo em preto e branco (só os dois últimos capítulos, que mostravam como os personagens estariam nos dias que então corriam, foram gravados coloridos).

Câmara Três/Divulgação
A atriz Vic Militello e o ator Oswaldo Louzada em cena da novela 'Estúpido Cupido
A atriz Vic Militello e o ator Oswaldo Louzada em cena da novela 'Estúpido Cupido'

"Estúpido Cupido" foi simplesmente deliciosa. A primeira novela escrita por Mário Prata era assumidamente autobiográfica: a ação se passava na semifictícia Albuquerque, e muitos elementos remetiam diretamente à cidade onde Prata foi criado, Lins (cujo nome original era Albuquerque Lins).

As tramas principais opunham um bando de adolescentes, fãs de motos e rock'n'roll, às opressões do mundo adulto. Mas tudo bem de levinho, sem maiores conflitos: afinal, a novela era exibida às 19h, sob a vigilância da censura.

Mesmo assim, temas importantes foram discutidos. Como a emancipação da mulher: Maria Tereza (Françoise Forton) queria trabalhar e morar na capital, enquanto que seu noivo João (Ricardo Blat) preferia casar logo e permanecer no interior.

Os nomes do casal remetiam ao ex-presidente João Goulart, deposto em 1964, e a sua esposa, mas as tesouras deixaram passar.

O humor ficava por conta de duas fofoqueiras –que funcionavam como um coro grego– e Ney Latorraca, já trintão, fazendo o rebelde Mederiquis. "Estúpido Cupido" foi um marco, e deixou tanta saudade quanto o período que retratou.


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