Folha de S. Paulo


Indicados a melhor fotografia no Oscar vão de experiência visual a reverência

Divulgação
Filmes que concorrem ao Oscar.

Os indicados a melhor fotografia do Oscar de 2016 vão das experiências visuais de 'Mad Max' e 'O Regresso' à produção quase utópica de 'Os Oito Odiados'. Passa também pela reverência a um importante fotógrafo norte-americano em 'Carol' e pela discrição engenhosa de 'Sicario'.

Esta edição do prêmio também opõe a produção digital dos filmes de George Miller e Alejandro González Iñárritu à realização em película das tramas dirigidas por Todd Haynes e Quentin Tarantino. Trata-se de uma seleção de cinematógrafos muito experientes: enquanto Roger Deakins, de "Sicario", disputa o Oscar pela 13ª vez –ele nunca venceu–, o mexicano Emmanuel Lubezki é favoritíssimo para levar sua terceira estatueta consecutiva –ganhou em 2014 e 2015 por "Gravidade" e "Birdman", respectivamente. Já Robert Richardson, de "Os Oito Odiados", é o maior ganhador entre eles, com três vitórias.

Edward Lachman, de "Carol", embora indicado em 2002 por "Longe do Paraíso", também está do lado que nunca levou uma estatueta, diferente de John Seale, de "Mad Max", lembrado pela quinta vez pela Academia. O australiano, no entanto, ganhou em 1997 por "O Paciente Inglês". Leia abaixo uma análise da fotografia de cada um dos indicados ao Oscar na categoria.

Assista ao trailer de 'Mad Max'

'MAD MAX'

Puristas vão odiar, mas "Mad Max" não foi feito para eles. Quem gostou das cores artificiais e dos cenários do longa sabe que um filme assim é feito graças a um grande esforço de pós-produção. A intensidade do laranja arenoso nas cenas filmadas durante o dia e o gélido azul da passagem noturna são frutos de muitos algoritmos.

Mas o segredo da obra está nos enquadramentos: o ponto de foco se encontra sempre no meio da cena, fazendo com que o espectador não tenha tempo de procurar onde está a ação. Num filme como "Mad Max", em que os cortes têm poucos segundos, o truque dá ritmo alucinante sem deixar ninguém zonzo.

Isso é essencial, já que o roteiro deve ter meia página –na verdade não tinha, eram só "storyboards"– e tudo se desenvolve em várias perseguições. O cinematógrafo é John Seale, vencedor do Oscar em 1997 por "O Paciente Inglês", mas a estética do longa é, sem dúvida, do diretor, George Miller.

Assista ao trailer de 'O Regresso'

'O REGRESSO'

Virtual ganhador do Oscar pela terceira vez consecutiva, o mexicano Emmanuel Lubezki teve seu trabalho em "O Regresso" muito comentado. Os debates, porém, não foram sobre as tomadas longas em que a câmera desfila num balé milimetricamente pensado nem as frenéticas cenas em que a visão em primeira pessoa do protagonista –como em games de tiro– é emulada.

No começo deste mês, o animador russo Misha Petrick publicou um vídeo em que compara cenas de "O Regresso" com filmes de Andrei Tarkóvski (1932-1986). Pensar em tributo ao cineasta russo é ingenuidade: beira o plágio.

Em 17 exemplos, tomadas e enquadramentos do indicado ao Oscar parecem cópias de passagens dos longas "A Infância de Ivan" (1962), "Andrey Rublev" (1966), "O Espelho" (1975), "Stalker" (1979) e "Nostalgia" (1983). Se for copiar, roube dos bons. Lubezki e o diretor do longa, Alejandro González Iñárritu, mostram que cinema também faz reciclagem.

Assista ao trailer de 'Carol'

'CAROL'

"Carol" é um filme morno, conduzido em banho-maria. A trama, sobre a paixão entre duas mulheres na Nova York da década de 1950, é delicada ao extremo, mas demora para engatar. A elegância de toda a direção de arte do longa, no entanto, é exuberante.

Em sua segunda indicação ao Oscar, Edward Lachman, cinematógrafo da obra, presta uma homenagem a uma importante figura da arte dos EUA: Saul Leiter, pioneiro no uso da cor na fotografia. Para emular o estilo do autor, Carol e Therese Belivet são filmadas através de vidros de carros e lojas, algo muito presente nas imagens urbanas quase abstratas de Leiter.

Os reflexos e ranhuras dão clima de mistério e lirismo às personagens, retratadas com a paleta de cores do cultuado Edward Hopper (1882-1967). Therese, papel de Rooney Mara, teve a fotógrafa Vivian Maier como inspiração: discreta e reclusa, a babá durante grande parte da vida deixou um acervo inacreditável de fotos sem ninguém saber.

Assista ao trailer 'Os Oito Odiados'

'OS OITO ODIADOS'

"Carol" e "Os Oito Odiados" são os dois filmes na disputa realizados com película. Mas, enquanto o longa de Todd Haynes foi feito em 16 mm, este, de Quentin Tarantino, foi produzido em 65 mm utilizando lentes Ultra Panavision –a última vez em que o equipamento foi utilizado ocorreu com "A Batalha de um Herói", há meio século.

A ideia, ao menos, era que "Os Oito Odiados" fosse exibido com cópias em 70 mm, formato que cria uma faixa larga e estreita na tela, mas, no Brasil, por exemplo, já não há salas de cinema que comportem este tipo de projeção.

A opção pelo uso de película em vez de equipamentos digitais significa também qualidade muito superior aos usuais formatos de 35 mm, o que se traduz em fidelidade de cor e nitidez. A escolha é, acima de tudo, a conservação de um amor utópico ao cinema. Em sua nona menção ao Oscar, o cinematógrafo Robert Richardson é o maior vencedor entre os indicados. Levou por "Hugo", "O Aviador" e "JKF".

Assista ao trailer de 'Sicario'

'SICARIO'

De todos os concorrentes a melhor fotografia do Oscar deste ano, "Sicario" é o menos exuberante. Não se trata de um filme que traz imagens absurdas, para deixar o espectador extasiado. Este também não é o objetivo de Roger Deakins, diretor de fotografia do longa, 13 vezes indicado ao prêmio –o coitado nunca venceu.

O britânico diz que seu trabalho não é criar imagens incríveis, mas imagens que tenham um propósito. Na obra dirigida por Denis Villeneuve, constrói o filme numa tensão insuportável, como se fosse possível fabricar uma espécie de "calma violenta".

A câmera passeia lentamente pelos personagens, anunciando algo que vai ocorrer, mas que nunca ocorre. É interessante como fotografia e som funcionam como as principais ferramentas deste suspense maniqueísta.
Discretamente, Deakins, parceiro constante dos irmãos Coen, influencia a trama sem recorrer a malabarismos visuais de todo tipo.

NA TV
Oscar 2016
QUANDO dom. (28), a partir das 20h30, na TNT; na Globo, após o 'BBB'


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