Folha de S. Paulo


DEPOIMENTO

Temporal marcou primeiro show dos Stones no Brasil, em 1995

Otávio Dias de Oliveira - 27.jan.1995/Folhapress
ORG XMIT: 515501_0.tif Música: Mick Jagger, Ron Wood e Keith Richards durante show do Rolling Stones no estádio do Pacaembu, em São Paulo (SP). (São Paulo (SP), 27.01.1995. Foto de Otávio Dias de Oliveira/Folhapress. Negativo: SP 01439-1995)
Mick Jagger, Ron Wood e Keith Richards durante show do Rolling Stones no Pacaembu, em 1995

Algo impensável nos dias de hoje: entrei em uma loja da Mesbla, fui até um balcão no fundo, onde estava uma mocinha, sem ter a quem atender. Foi assim, sem fila, no meio de uma tarde de janeiro de 1995, que eu comprei meus ingressos para os dois primeiros shows dos Rolling Stones da minha vida. Outros tempos, sem essa urgência de filas gigantescas de hoje.

Um ingresso era para a sexta, 27 de janeiro, no chamado Hollywood Rock 95. Na programação, Barão Vermelho, Rita Lee, Spin Doctors e Stones. No dia seguinte, os shows se repetiriam. Na segunda (30), um show extra, só com os ingleses. Era o dia do meu segundo ingresso.

Às 16h, o estádio do Pacaembu já estava lotado de gente ansiosa para o primeiro show da banda no Brasil. Uma hora depois, muita chuva. Tudo bem. Afinal, show com chuva é tradição roqueira.

Mas, às 18h, não era mais chuva. Na verdade, o melhor era criar uma nova palavra para definir aquilo. Temporal, tempestade, enxurrada, nenhuma serve para descrever a água que despencou em São Paulo. Capas plásticas não ajudavam em nada.

A noite avançava, a água aumentava. Parecia que baldes de água eram despejados na cabeça de cada um.

Para se proteger, grupos de pessoas arrancavam as placas de madeira compensada que cobriam o gramado do Pacaembu, para erguê-las sobre as cabeças. Os pés ficavam enfiados no lamaçal.

Com atraso, foram cancelados os shows de Barão e Rita. Quase dez da noite, o Spin Doctors entrou no palco, porque a chuva tinha melhorado. Não muito, mas já dava para enxergar o palco.

Banda neo-hippie com um único hit, "Two Princes", os americanos do Spin Doctors tocaram apenas oito músicas. Tempo suficiente para o vocalista escorregar no palco molhado e protagonizar um tombo cinematográfico.
Mais de uma hora depois, provando que a natureza também reverencia os deuses do rock, os Stones abriram o show debaixo de chuva fina.

O som não era exatamente uma maravilha, mas o palco meio psicodélico, as músicas que todos sabiam de cor e a presença ao vivo de Mick Jagger e Keith Richards, nunca antes vistos tão próximos, eram a redenção de quem estava molhado até a alma.

As canções mais novas, do álbum "Voodoo Lounge", eram só bacaninhas, sem empolgar, mas o que dizer de uma banda com tantos sucessos que podia se dar ao luxo de tocar "Satisfaction" logo na sexta música da noite?

No fim, foi lindo, mesmo com a calça jeans molhada pesando uma tonelada e as pernas geladas com cãibras.

Na segunda-feira, o tempo estava bom, mas aí já era repetição, né? A primeira vez dos Stones a gente nunca esquece.

PELA SEGUNDA VEZ

Em abril de 1998, os Stones voltaram para shows no Rio, na Praça da Apoteose, e em São Paulo, na Pista de Atletismo do Ibirapuera.

O show paulistano teve novidades: as canções recentes, do álbum "Bridges to Babylon", lançado no ano anterior, e as filas quilométricas. O problema estava no funil da entrada. Apenas dois portões pequenos davam passagem para o público, e os ingressos eram cartões magnéticos que insistiam em emperrar nas catracas.

Algumas pessoas passaram mais de três horas nas filas, o que gerou tensão. Afinal, ninguém queria perder o show de abertura, de outra lenda do rock: Bob Dylan.

Valeu a pena. Não tanto pelo show dos Stones. O repertório com músicas novas ficou frouxo e mesmo o desempenho foi burocrático. Jagger e Richards estavam no auge de um dos piores momentos de sua relação. Quem acompanhou a banda nos bastidores conta que eles não se falaram durante a passagem pelo Brasil,

Valeu por duas coisas: os telões, de uma alta definição absurda, inédita no Brasil, e a chance de ver numa mesma noite os Stones e Dylan. Que, vale ressaltar, tiveram um momento único no palco. Dylan entrou no show da banda para cantar junto "Like a Rolling Stone", canção icônica que ele escreveu em 1965 e foi regravada pelos Stones em 1995.

SHOW PARA 1 MILHÃO

A terceira vinda dos Stones foi em janeiro de 2006. só no Rio. Eles incluíram na turnê do álbum "A Bigger Bang" um show gratuito na praia de Copacabana,

A multidão, estimada em 1 milhão de pessoas, se estendeu por mais de um quilômetro na praia, diante do palco armado na frente do hotel Copacabana Palace, onde os Stones se hospedaram em todas as suas visitas à cidade.

O carisma e o repertório compensaram uma apresentação não tão espetacular dos Stones. Mick Jagger parecia um pouco cansado. Mas a grande conquista do público era fazer parte do evento recordista.

O tamanho da plateia deixou sensações distintas entre os presentes. Quem estava perto do palco teve a chance de ver o grupo em ação, o que aumentou bastante a satisfação. Mas boa parte ficou muito longe, atrás de três sucessivas torres de som que se espalhavam pela praia. Quem ficou ali apenas dançava muito, ao som dos hits. Isso gerou uma brincadeira na época. Alguém dizia: "Você foi ver os Stones?". E o outro respondia: "Não, fui só ouvir!".


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