Folha de S. Paulo


análise

Umberto Eco produziu ilusão de ótica com 'O Nome da Rosa'

Era um tipo simpático. Numa época em que a intelectualidade europeia não perdoava a cultura de massa, Umberto Eco escreveu com simpatia sobre gibis e literatura de entretenimento.

Seu livro "Apocalípticos e Integrados", de 1964, mal traduzido aqui pela editora Perspectiva, sustentava (erradamente) que, se toda obra de arte busca produzir algum tipo de efeito no seu público, não há razão para condenar a indústria cultural quando faz isso também.

Num âmbito mais teórico, Umberto Eco desempenhou papel parecido. Foi contemporâneo da voga estruturalista e, mais tarde, de críticos desconstrucionistas como Jacques Derrida (1930-2004) e Paul de Man (1919-1983).

Enquanto o pensamento acadêmico apostava cada vez mais no tecnicismo e na incompreensibilidade (assumindo o papel que as vanguardas artísticas tiveram na década de 1920), o comunicólogo italiano manteve em geral um estilo acessível, sem deixar de incorporar as descobertas e conceitos de seus pares.

Na coletânea de ensaios "Interpretação e Superinterpretação" (Martins Fontes), obra de 1992, Umberto Eco mantém, por exemplo, uma posição menos radical do que a de outros colaboradores do volume, como Jonathan Culler ou Richard Rorty.

Pode haver, diz Eco sensatamente, interpretações mais verdadeiras e menos verdadeiras, mais fiéis ou infiéis, de uma obra literária. Não faz sentido cair num relativismo pós-moderno completo.

PÓS-MODERNO

Mesmo assim, Umberto Eco foi bem pós-moderno. Em "O Nome da Rosa", livro de ficção que o fez mundialmente conhecido, investiu num tipo de literatura que, bem ao gosto da moda intelectual dos anos 1980, joga em dois campos simultaneamente. É um romance de entretenimento, mas ao mesmo tempo cheio de piscadinhas de olhos para o leitor mais erudito.

Não se trata de ficar no meio de campo entre "alta" e "baixa" cultura, mas de produzir (com resultados a meu ver insatisfatórios) um produto híbrido, uma ilusão de ótica, que muda de aparência conforme visto de longe ou de perto.

Divertiu-se muito com a cultura e a crítica. Suas crônicas, reunidas em "Diário Mínimo", reclamam da cafonice do celular e inventam, por exemplo, listas de disciplinas acadêmicas inúteis e paradoxais, como História da Aviação na Grécia Antiga e assim por diante.

Muito erudito e com faro midiático, Umberto Eco continuará a ser útil para estudantes de comunicação e de estética. Deixa um legado? Espero que sim –e que seja maior do que a moda inaugurada em "O Pêndulo de Foucault".

A saber, a dos títulos no gênero "O Atiçador de Wittgenstein", "O Cachorro de Rousseau", "O Relógio de Cuco de José do Patrocínio", que sei eu.


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