Folha de S. Paulo


Em livro, Tati Bernardi expõe medos e angústias de uma mente em tumulto

O pretinho básico dela é o tarja preta -às vezes misturado a remédios a que não podiam ser misturados. Para Tati Bernardi, 36, e sua mente em tumulto, é difícil enfrentar de outra forma o medo de viajar, o medo de aglomerações, o medo de vomitar e uma longa família de temores.

É a história dessas fobias -e as crises de pânico, em sua forma mais grave-, bem como a relação da autora com os medicamentos, o tema de "Depois a Louca Sou Eu", novo livro da roteirista, escritora e colunista da Folha, cuja noite de autógrafos ocorre na terça-feira (23), às 19h, na Livraria da Vila.

Esquisitinha, Tati foi desde bem cedo, como admite no livro. Já criança, perdia-se em pensamentos obsessivos: serei mãe? É seguro sair de casa? E se meus pais morrerem? A família tentou levar a menina a uma benzedeira, mas só um psiquiatra mais tarde deu um diagnóstico preciso: angústia. "É o livro de uma personalidade neurótica. Eu me achava um ET", diz ela.

Não à toa, essa personalidade sentiu o primeiro Rivotril como uma chuva "sobre uma horta de manjericão". O primeiro comprimido foi dado pela mãe, já que outros familiares sofrem das mesmas angústias. Mais tarde, vieram os antidepressivos.

"Depois a Louca Sou Eu" é um livro em que Tati Bernardi se expõe -está lá, por exemplo, a dificuldade, devido aos remédios, de ter orgasmos. E mesmo as vezes em que teve candidíase ou piriri ao passar um Ano-Novo com um novo namorado.

Sem falar nas referências a familiares, colegas de trabalho, médicos e ex-namorados. Em sua defesa, ela lembra: o livro é autobiográfico, mas tem sua dose de ficção.

"Já escrevi livro infantil cuja personagem não gostava dos pais. Meus pais demoraram um mês para superar que eu havia escrito aquilo."

HOMENS

É um fato comum. A autora diz que algumas pessoas acham que ela está enviando recados indiretos por meio de seus textos. Tati lembra de encontrar um homem com quem tinha saído por uma semana, cinco anos antes, em quem "só deu uns beijinhos". E recebeu o aviso do rapaz: pare de me expor em seus textos.

"Eu ri, porque não lembrava nem o nome dele. Quando você tira sarro de homem, qualquer um pode se identificar, porque eles são parecidos. Tenho uns 15 ex-namorados que podem se identificar com o livro", afirma.
A escritora não se expõe só para fazer graça. Além dos tarjas preta, a própria escrita é apontada como salvação. Escrever, diz ela, organiza sua mente turbulenta.

Adriano Vizoni/Folhapress
SAO PAULO - SP - BRASIL, 18-02-2016, 16h20: TATI BERNARDI. Retrato da escritora Tati Bernardi, que esta lancando um novo livro. (Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, ILUSTRADA) ***EXCLUSIVO FSP***
A escritora, roteirista e colunista da Folha Tati Bernardi, que lança o livro 'Depois a Louca Sou Eu'

Rir também. Não à toa, sua inspiração desde criança é Woody Allen -típico neurótico que transforma suas próprias esquisitices em diversão.

Como escreve Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, na orelha da obra: "Quando já não há antidepressivo nem terapeuta que dê conta, a literatura aparece como medicina das almas, capaz de remediar o escritor autêntico e o leitor sincero".

Tati diz não querer glamorizar a própria maluquice, apesar de fazer rir com ela. A escritora acha que, em meio ao seu trabalho como roteirista (na TV Globo e no cinema), isso por vezes ocorre.

"Tenho preguiça disso. Sou esquisita sim, passo mal para viajar, não gosto de gente muito feliz. Isso não é tipinho. Mas tem um limite. Acharia ridículo chegar no lançamento do livro como uma Lady Gaga da Pompeia."
No começo, o livro pode parecer um elogio às drogas psiquiátricas. Mas ao fim o leitor encontra uma personagem feliz em estar livre delas. Ainda que só por mais um dia.

"A ideia não é ter uma moral da história. Quem precisa de remédio vai estar sempre largando e voltando. Quando escrevi o livro, estava sem tomar. Agora, já voltei".

TRECHO

"Anos depois, comecei a namorar o Carlos (vamos chamá-lo por seu nome verdadeiro). Ele me dizia diariamente que eu era louca e que teríamos que terminar, mas... 1) gostava de chorar nu na minha varanda logo depois que a gente transava porque percebia que um dia seu pai morreria; 2) me levou a uma galeria de arte e, ao ver a dona do lugar, com quem "tinha uma relação estremecida", saiu correndo e me largou lá por meia hora, e depois me deu um esporro porque não o esperei voltar quando estivesse mais calmo; 3) acordava de madrugada para tentar desemperrar janelas que não estavam emperradas; 4) só colecionava arte de gente que já tinha morrido porque "vivo não sabe o que está fazendo"; 5) sofreu um sequesto-relâmpago com outra mulher e, quando os libertaram, me ligou para que eu fosse buscá-los.

Depois A Louca Sou Eu
Tati Bernardi
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Namorei também o Guto, que "odiava criança, odiava morar junto, odiava namorar, odiava cinema, odiava show, odiava beijar na boca toda hora" e terminou comigo porque era impossível me agradar. E, por favor, vamos dar ao Gabriel o prêmio de "melhor namorado louco que terminou comigo dizendo que a louca era eu".

DEPOIS A LOUCA SOU EU
AUTORA Tati Bernardi
EDITORA Companhia Das Letras
LANÇAMENTO ter. (23), às 19h, na Livraria da Vila, r. Fradique Coutinho, 915, tel. (11) 3814-5811
QUANTO R$ 34,90 (144 págs.)


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