Folha de S. Paulo


Com orgulho afro, Beyoncé incendeia debate e é comparada a Nina Simone

assista ao clipe

Os Estados Unidos de Beyoncé são o país de uma Nova Orleans arrasada pelo furacão Katrina, onde negros são fuzilados sem dó pela polícia e no qual bom mesmo é ter cabelão afro e as narinas dos Jackson 5. Não é a mesma terra do establishment branco, de Donald Trump e afins.

"Formation", música que ela cantou incendiando o Super Bowl —e que teve seu clipe lançado há uma semana— é uma exaltação agressiva da experiência negra americana.

Sua performance no dia 7 de fevereiro, no maior evento esportivo dos EUA, foi polêmica. Beyoncé levou a campo uma coreografia inspirada em formações militares e dançarinas usando roupas dos Panteras Negras, grupo radical de militância afro dos anos 1960.

Enquanto críticos elogiaram a audácia política do ato, que subverteu a farra publicitária com um discurso racial, outros —como o ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani— atacaram a artista por contaminar o esporte com questões embaraçosas e ultrajantes.

Aquilo que se viu em campo, aliás, foi só o clímax de uma ação coordenada, que começou com a doação de R$ 6 milhões dela e de seu marido, o rapper Jay Z, ao movimento Black Lives Matter, que combate a brutalidade policial contra negros, e na sequência o lançamento sem alarde do clipe de "Formation" na internet —o vídeo já foi visto 20 milhões de vezes.

Exaltado como um clássico instantâneo, o filme dirigido por Melina Matsoukas, cineasta por trás de outros oito clipes de Beyoncé, é um desfile de referências à história dos negros nos Estados Unidos.

Numa Nova Orleans arrasada, a cantora exalta a própria negritude, cantando sobre seus pais do Alabama e de Louisiana, seu cabelo afro e o nariz avantajado. Também surge como uma sinhazinha, pondo os negros no lugar dos brancos no antigo sul escravocrata. O rosto de Martin Luther King Jr. aparece num jornal nas mãos de um homem e um menino negro dança diante de um cordão de policiais.

Uma pichação ali ainda pede que negros não sejam mais alvos da polícia. Beyoncé, no caso, usou as armas da indústria musical para articular uma mensagem feroz com embalagem plástica estonteante, que fez críticos do "The New York Times" e do jornal britânico "The Guardian" compararem a cantora a Nina Simone.

"Beyoncé é uma mulher que entende seu poder e sabe nos magnetizar, da mesma forma que Nina Simone", escreveu Wesley Morris, no jornal americano. Seu colega Jon Caramanica chamou "Formation" de uma "alegoria da era Black Lives Matter, um momento de ascensão política".

Nas redes sociais, "Formation", canção que batiza a próxima turnê da cantora, vem sendo celebrada como hino do orgulho negro. Beyoncé parece ter reacendido a crença no potencial político do pop.

*

ENTENDA 'FORMATION'
Clipe é repleto de referências à história dos negros nos EUA

Reprodução
Beyoncé em cena do clipe de 'Formation
Beyoncé em cena do clipe de 'Formation'

VODU Movimentos da cabeça e suas roupas negras nesta cena do clipe remetem a rituais de vodu e bruxaria praticados no sul dos EUA

Divulgação
Beyoncé em cena do clipe de 'Formation
Beyoncé em cena do clipe de 'Formation'

SINHAZINHA Nesta cena do clipe, a cantora aparece com roupas da elite branca do antigo sul escravocrata dos EUA

Reprodução
Cena do clipe de 'Formation
Cena do clipe de 'Formation'

MAPA DA VIOLÊNCIA Menino dança diante de um cordão de policiais, uma alusão à brutalidade contra jovens negros

Divulgação
CLINT EASTWOOD as Gus in Warner Bros. Pictures†drama â€TROUBLE WITH THE CURVE,†a Warner Bros. Pictures release. Curvas da Vida - divulgação
Beyoncé em cena de "Formation"

KATRINA Em cima de um carro de polícia na água, cantora critica descaso do governo com Nova Orleans


Endereço da página:

Links no texto: