Folha de S. Paulo


Livro revê roubo de Picasso, Matisse, Dalí e Monet de museu no Rio

No primeiro dia do Carnaval, enquanto o bloco das Carmelitas entupia as ruas estreitas no alto de Santa Teresa, no Rio, quatro homens invadiram o Museu da Chácara do Céu e roubaram obras de Dalí, Matisse, Monet e Picasso.

Desde aquela tarde de fevereiro, há dez anos, as quatro peças avaliadas então em US$ 10 milhões nunca mais foram vistas. Nos arquivos do FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, o assalto está entre os mais espetaculares da história dos saques a coleções de arte.

Uma década depois, o inquérito do caso continua aberto, ninguém foi preso e só molduras de três dos quadros foram encontradas chamuscadas no morro dos Prazeres. Um vigia também conta que viu um dos ladrões tropeçar e rasgar a tela de Picasso, "La Danse", pintada em 1956.

Essa história cinematográfica ressurge agora em "A Arte do Descaso", livro da jornalista Cristina Tardáguila. Obcecada com o roubo da Chácara do Céu a ponto de fazer uma maquete em casa e reencenar com bonequinhos o passo a passo do crime, ela ficou quatro anos estudando o caso.

Mas aquilo que seria um thriller sobre como uma repórter desvenda um crime e, no fim, revela o paradeiro das obras acabou se tornando uma longa narrativa frustrada, de erros cometidos pela polícia e pistas ignoradas.

A Arte Do Descaso
Cristina Tardáguila
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"Quando decidi escrever o livro, queria encontrar os quadros e os ladrões", diz a autora. "Devorei o inquérito, mas nenhuma das partes da investigação tinha acompanhado o caso de perto. Nesse momento, vi que o livro já não seria mais sobre essa descoberta."

Nada, de fato, leva a crer que as obras da Chácara do Céu possam ser recuperadas. Mas o livro não foi um esforço em vão, servindo de manual do que não fazer em casos de assaltos a museus de arte.

Tardáguila revela que a polícia brasileira sofre de total despreparo quando o assunto é esse tipo de crime. Só dois retratos falados de quatro bandidos foram realizados, impressões digitais encontradas no museu nunca foram identificadas e, no dia do roubo, o alerta enviado a autoridades nas fronteiras do país não tinha nem imagens dos quadros, além de não mencionar uma das peças levadas.

Questões levantadas pela autora, aliás, acabaram até orientando a abertura de novas frentes de investigação.

Enquanto nada de novo despontava no horizonte, Tardáguila também fez de seu livro um estudo psicológico do perfil de ladrões de arte, tentando desbancar alguns mitos.

"Um arsenal de filmes hollywoodianos leva o mundo a acreditar que obras de arte são roubadas por encomenda de algum milionário", diz a autora. "Mas a chance de haver esse cara que fuma charuto no porão de casa admirando a sua coleção é mínima."

Muito mais provável, de acordo com o livro, é o uso de obras roubadas como moeda do crime organizado, já havendo transações envolvendo cocaína e até plutônio em troca de pinturas, ou mesmo entregues a bancos como garantia de empréstimos –um Da Vinci já foi encontrado nessas condições num cofre suíço.

"Bancos podem ser grandes guardadores de obras roubadas", diz Tardáguila. "Não por incompetência ou malandragem, mas pela falta absoluta de um sistema de controle."

Nesse ponto, "A Arte do Descaso" beira o ativismo, defendendo um mapeamento de obras de arte desaparecidas e uma mudança de atitude. "Esse livro precisava ser um alerta", diz Tardáguila. "Arte ainda não é uma coisa que consideramos um bem vital."

A ARTE DO DESCASO
AUTOR Cristina Tardáguila
EDITORA Intrínseca
QUANTO R$ 39,90 (192 págs.)


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