Folha de S. Paulo


Documentários que concorrem ao Oscar 2016 alternam música e política

Documentários que disputam o Oscar no dia 28 navegam entre as trajetórias das cantoras Nina Simone e Amy Winehouse e intrincados jogos de poder na Indonésia, na Ucrânia e no combate ao narcotráfico nos Estados Unidos e México.

A equipe da "Ilustrada" assistiu aos cinco indicados para escrever uma breve resenha sobre o que esperar de cada um deles.

"AMY"

Cantora sintetiza momento em que dimensão humana se esvai
Por Daigo Oliva, editor-adjunto da "Ilustrada"

Uma cena se repete em "Amy", documentário sobre a cantora, morta tragicamente em 2011, aos 27 anos. Ao sair de casa, dezenas de paparazzi a atacam com flashes até que consiga chegar ao carro. Nesses momentos, a tela fica quase toda branca e o rosto da inglesa vira só um clarão.

Este é o trunfo do filme: mostrar quando artistas perdem a forma humana para serem tratados como funcionários da curiosidade alheia.

Mais do que reconstruir a trajetória de Amy Winehouse, o longa escancara a naturalidade com que piadas sobre seus problemas com drogas e bulimia eram feitas na TV.
Hoje todos condenam a falta de respeito com que ela foi tratada, mas, à época, era fácil achar quem torcesse por mais um vexame nos palcos.

Sem recorrer ao formato do entrevistado em frente à câmera, o filme costura imagens da intimidade de Amy com registros em programas de TV.

Destaca também trechos das letras de suas músicas —forma de mostrar como sua produção era autobiográfica.

Foi a mistura da figura pública com a vida privada um dos elementos que a matou. Leia mais.

AMY
DIREÇÃO Asif Kapadia
PRODUÇÃO Reino Unido/EUA, 2015, 14 anos
QUANDO na Netflix e no Net Now
AVALIAÇÃO ótimo 

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"O PESO DO SILÊNCIO"

Assassinos e vítimas oferecem duelo incômodo na Indonésia
Por Ricardo Gallo, de São Paulo

Um grupo é reverenciado na Indonésia até hoje: o de civis que, encorajado pelos militares, exterminou os comunistas e ajudou a restabelecer a ordem no país em 1965.

"O Peso do Silêncio", do americano Joshua Oppenheimer, revela o outro lado, a anatomia de um massacre que dizimou 500 mil pessoas.

É uma continuação de "Ato de Matar" (2012), do mesmo diretor, no qual os autores do massacre encenavam como deram cabo das vítimas.

Quem conduz o espectador é Adi Rukun, que tinha dois anos quando seu irmão, acusado de comunismo, foi assassinado. Adi descobre como a morte ocorreu durante o filme: esfaqueado, ele recebe a suposta ajuda de um grupo, que o leva para a beira de um rio e o mutila.

Optometrista, Adi usa o pretexto de que vai examinar os pacientes para entrevistar os criminosos. O que se segue é um enervante duelo em que confronta os assassinos do irmão e outros protagonistas.

Reabrir a ferida tem preço: Adi e família tiveram que mudar de cidade antes do lançamento da obra, em 10/11/2014 —dia dos Heróis na Indonésia.

O PESO DO SILÊNCIO
(The Look of Silence)
DIREÇÃO Joshua Oppenheimer
PRODUÇÃO Dinamarca, 2014
QUANDO indisponível no Brasil
AVALIAÇÃO ótimo 

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"WHAT HAPPENED, MISS SIMONE?"

Relato coloca emoção à frente de enxurrada de informações
Por Thales de Menezes, de São Paulo

Para conhecer os fatos da vida de Nina Simone (1933-2003), uma olhadela na Wikipedia pode ser mais eficiente.

O que se vê no emotivo documentário é a estrela em inúmeros registros pessoais, no palco e fora dele, que transmitem a difícil jornada de uma mulher obstinada.

Ser uma das maiores cantoras da história, transitando entre vários gêneros musicais, não fez Nina esquecer as rejeições com as quais se defrontou por causa da cor da pele.

Extremamente didático nos trechos de sua biografia que escolhe iluminar, ainda assim o longa é intimista, delicado, deixando as expressões severas de Nina em fases distintas da vida montarem um retrato comovente.

A diretora Liz Garbus é indicada pela segunda vez ao Oscar. Disputou em 1999 por "The Farm: Angola, USA", sobre uma das mais brutais prisões norte-americanas.

Seu maior sucesso antes deste filme é "Bobby Fischer contra o Mundo" (2011), que mostra o enxadrista americano que tentou vencer a supremacia soviética no esporte.

WHAT HAPPENED, MISS SIMONE?
DIREÇÃO Liz Garbus
PRODUÇÃO EUA, 2015, 14 anos
QUANDO disponível na Netflix
AVALIAÇÃO ótimo 

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"WINTER ON FIRE"

Protestos em Kiev ganham narrativa clara, mas cheia de heroísmo e drama
Por Diogo Bercito, de Madri

Nos primeiros 20 segundos de "Winter on Fire", a tela ainda está escura quando uma voz pede: "Faça alguma coisa pela revolução". A resposta: "Eu estou filmando".

O diálogo afina de certa maneira o tom do filme. As ações são narradas, em seguida, com um quê de heroísmo.

"Winter on Fire" acompanha os 93 dias de manifestações em Kiev, Ucrânia, retratando os embates entre civis e governo quase como um conflito entre o bem e o mal.

Os protestos ocorreram entre 2013 e 2014. Inicialmente, contrários à decisão do presidente Viktor Yanukovich de alinhar-se à Rússia, e não à União Europeia. Após a violência policial, o movimento pediu uma mudança de governo. Nestes 93 dias de protestos, ao menos 125 foram mortos. Centenas, feridos.

"Winter on Fire" tem o mérito de organizar essas imagens em uma narrativa clara.

Mas ficaram de fora as disputas entre potências internacionais e os debates no Parlamento. Também não couberam as consequências dos eventos retratados. Yanukovich foi deposto, mas o país passou a um conflito em que cerca de 8.000 foram mortos. Esses aparecem apenas nos letreiros finais.

WINTER ON FIRE
DIREÇÃO Evgeny Afineevsky
PRODUÇÃO Ucrânia, 2015, 12 anos
QUANDO disponível na Netflix
AVALIAÇÃO bom 

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"CARTEL LAND"

Estado se dilui onde cidadãos resolvem pegar em armas
Por Sylvia Colombo, de São Paulo

O que devem fazer moradores de áreas onde atua o narcotráfico e o Estado não chega? É o que acontece numa ampla zona entre México e Estados Unidos. São vítimas de extorsões e sequestros, que têm as mulheres estupradas e as crianças recrutadas para a guerra. Não demora para que cheguem a um consenso que soa irrefutável. Dizem "basta" e se armam.

"Cartel Land" é um retrato desse fenômeno. No México, as milícias ganham o nome de "autodefensas"; nos EUA, de "vigilantes". O filme os acompanha na caça aos narcos. Nas áreas por eles "recuperadas", a sensação é de alívio.

A situação, porém, se complica quando surgem desavenças entre milícias e abusos de líderes. O governador perde a autoridade, já não há mais democracia nem Justiça. As sociedades "pacificadas" pertencem a esse "para-Estado", no qual desaparecem os direitos de todos.

O documentário navega nessa desolação, que se resume na resposta de um dos narcos, que, mascarado, dá seu depoimento: "Sim, a droga é ilegal e mata. Mas somos pobres, e não há empregos limpos como o seu aqui." Leia mais.

CARTEL LAND
DIREÇÃO Matthew Heineman
PRODUÇÃO México/EUA, 2015
QUANDO disponível na Netflix
AVALIAÇÃO muito bom 


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