Folha de S. Paulo


crítica

Martírio de DiCaprio faz público torcer pelo fim de 'O Regresso'

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Em 2015, quando perdeu o Oscar de melhor ator para Eddie Redmayne, que viveu o físico Stephen Hawking em "A Teoria de Tudo", Michael Keaton desabafou: "Infelizmente, a doença sempre vence".

Keaton, que concorria pela atuação em "Birdman", referia-se à suposição de que personagens que precisam enfrentar doenças e privações levem vantagens no Oscar.

Em 28 de fevereiro, quando Leonardo DiCaprio subir ao palco do Teatro Dolby, em Los Angeles, para receber seu Oscar de melhor ator, estará confirmada a teoria de Keaton. Porque poucos personagens do cinema sofreram tanto na tela quanto o de DiCaprio em "O Regresso".

Por quase três horas, o galã é arremessado de penhascos, lançado de cachoeiras com pedras pontiagudas, arrastado por rios mortais e congelantes, soterrado por tempestades de neve e atacado por índios assassinos.

Mas ele parece ter a resiliência de Jason Voorhees, o vilão mascarado da série "Sexta-Feira 13", recusa-se a morrer e não se detém diante de pequenos desafios, como o de pular de um penhasco de 60 metros montado num cavalo. Na cena mais impressionante, é atacado por um urso do tamanho de uma Kombi.

Divulgação
Créditos: Kimberley French/Divulgação Legenda: Cena do filme O REGRESSO ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM*** leonardo dicaprio
Leonardo DiCaprio, que disputa o Oscar de melhor ator deste ano, em cena do filme 'O Regresso'

Em "O Regresso", dirigido pelo mexicano Alejandro González Iñárritu, DiCaprio faz Hugh Glass, guia de uma expedição que caça animais para a venda de peles no norte dos Estados Unidos, em 1823.

Glass é atacado pelo tal urso e deixado na floresta pelos próprios companheiros. Mas nada detém Leo, que se arrasta por quilômetros de florestas congeladas.

"O Regresso" não é tanto um filme quanto um episódio de "No Limite" fotografado por Emmanuel Lubezki.

A atuação de DiCaprio se resume a gritar, babar e fazer cara de dor, com ocasionais cenas de introspecção em que recorda a mulher índia assassinada por brancos malvados, tem delírios sobre o filho morto e fala platitudes sobre o "vento que sopra na floresta", sempre ostentando um olhar perdido no horizonte e digno de propaganda de seguro-saúde para a terceira idade.

Só para efeito de comparação, o Oscar deste ano traz outro filme em que um personagem precisa sobreviver a um ambiente inóspito e hostil: "Perdido em Marte", de Ridley Scott, infinitamente mais humano e emocionante que "O Regresso".

Em "Perdido em Marte", o espectador se maravilha com as soluções do astronauta para não morrer e torce por ele; em "O Regresso", torcemos para que o martírio acabe logo.

O roteiro, coescrito por Iñárritu, é uma desgraça completa, cheio de clichês, rombos de lógica e situações de puro nonsense. Na mais engraçada, Glass, faminto após dias de caminhada, encontra o cadáver de um bisão ao lado de várias fogueiras na floresta. Decide então comer o intestino do bicho cru, em vez de fazer um suculento bife. Monty Python, cadê vocês?

Outros filmes sobre homens em luta contra um ambiente hostil conseguiram transmitir um senso de deslumbramento com a natureza, como "Na Natureza Selvagem" (2007) e "Até o Fim" (2013), mas "O Regresso" trata o ambiente como um inimigo a ser superado, um lugar assombrado e violento.

Há cenas impactantes e bem-feitas, especialmente o ataque do urso contra Glass (outra sequência forte, a de uma tempestade de gelo, foi surrupiada de "Dersu Uzala", de Akira Kurosawa), mas, no fim, "O Regresso" é menos a jornada pessoal de um homem do que um filme banal sobre vingança.

O REGRESSO (the revenant)
DIREÇÃO Alejandro González Iñárritu
ELENCO Leonardo DiCaprio, Tom Hardy
PRODUÇÃO EUA, 2015, 16 anos
QUANDO estreia nesta quinta (4)

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