Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Título do filme deveria ser 'Os Dez Mandamentos - O Pesadelo'

Trailer do filme

Não, o pior não é "Os Dez Mandamentos - O Filme". O pior é a interminável sessão de trailers de longas em produção que o precede. Temos Jesus crucificado, Jesus menino, romanos fazendo maldades e, para terminar em grande estilo, a promessa de "Deus Não Está Morto 2", onde a fé, parece, é perseguida.

Eis aí, em resumo, uma amostra de que Deus, pragmático, parece mesmo ter trocado sua infinita misericórdia por uma idêntica vulgaridade: é preciso acompanhar os tempos.

Quanto a "Os Dez Mandamentos", o filme entrega em linhas gerais o que se esperava dele. Começa com Josué anunciando aos hebreus que vai contar a sua história. Ele a narra de frente para a câmera, quase aos berros; o seu público permanece atrás dele. A mensagem está dada: Josué é o seu pastor, e a verdadeira plateia somos nós, não os hebreus do deserto.

Desde então, o grande mistério que o filme nos propõe não é do combate dos judeus pela liberdade nem a disputa para saber quem é o verdadeiro Deus. O que realmente intriga são aquelas egípcias que vira e mexe estão chorando sem, nunca, jamais, borrar a maquiagem.

De resto, o que dizer de um filme extraído de 176 capítulos? O fundamento do cinema é a síntese, o das novelas é seu inverso (que não é a análise, mas qualquer coisa que se espalha no tempo). Então, os erros narrativos são evidentes e, talvez, inevitáveis.

E o que dizer de uma representação feita à base de 40 minutos diários? Não se pode pedir dela nenhum rigor. Não se pode pedir dos atores muito mais do que a interpretação superficial que oferecem.

Claro, os diálogos são um problema, já se sabia. Mas podiam nos ter poupado de coisas como um Moisés que comenta, depois de o Egito ser vitimado por uma pilha de pragas: "É impressionante o poder de Deus". Com efeito.

Ou, ao ver um homem estirado, após receber chibatadas e mais chibatadas, perguntar a ele: "Você está bem?". Ah, claro, está ótimo: nada como uma chibata nas costas para revigorar uma pessoa.

O roteiro também sofre enormemente com a contração, de tal modo que os sentimentos de Moisés por Ramsés e vice-versa vão se alternando, passando de amor a ódio e inversamente sem a menor cerimônia. Etc.

As melhores cenas são as de ação, em particular as com efeitos especiais e, se possível, sem câmera lenta.

O que resta da empreitada é um livro do Êxodo desossado: uma série de episódios que se acumulam sem nenhum interesse dramático, sem um fotograma de invenção.

Um exemplo: quando temos um lance dramático decente (a família do recém-nascido Moisés tenta escondê-lo, mas é surpreendida pelos guardas), a cena de fuga é incompreensível. Ainda uma vez, não se pode avaliar por aí o trabalho de quem grava 40 minutos de ficção por dia.

Tudo isso não significa que "Os Dez Mandamentos - O Filme" (e por que não: "Os Dez Mandamentos - O Pesadelo") não cumpra sua função: não era para ser um bom filme, um bom divertimento ou mesmo um ato de fé.

Era para ser uma demonstração de força da Igreja Universal proporcional à tonitruante e onipresente trilha musical. Veremos se a turma aguenta na boa.

OS DEZ MANDAMENTOS - O FILME
DIREÇÃO Alexandre Avancini
ELENCO Guilherme Winter, Camila Rodrigues, Sérgio Marone
PRODUÇÃO Brasil, 2015, 12 anos
QUANDO em cartaz


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