Folha de S. Paulo


Walcyr Carrasco evoca o rádio para cativar público de 'Êta Mundo Bom!'

A baronesa de Goytacazes (Eliane Giardini) ouvia rádio no episódio da última quarta (27) de "Êta Mundo Bom!", trama das 18h da Globo, quando foi interpelada por sua empregada, Maria (Bianca Bin).

"Estava ouvindo a minha novelinha. Depois que você começa, não dá para perder mais um capítulo", diz à funcionária a mãe do protagonista, Candinho (Sérgio Guizé).

A "novelinha" da baronesa é "Herança de Ódio", uma radionovela real, que foi ao ar pela primeira vez há 65 anos, e agora tem trechos transmitidos em capítulos esparsos de "Êta Mundo Bom!".

João Miguel Júnior/Globo
Evandro ( Claudio Tovar) é o sonoplasta da radionovela
Claudio Tovar faz o sonoplasta da radionovela ouvida pelos personagens do folhetim 'Êta Mundo Bom!'

Fora da ficção, às segundas, quartas e sextas, ouvintes da Rádio Globo (às 7h30 ) e visitantes do site Gshow também podem acompanhar o programa.

A radionovela está sendo adaptada por Otávio Martins, colaborador de Walcyr Carrasco, a partir de um dos textos mais conhecidos do paulista Oduvaldo Viana (1892-1972) –autor de "Predestinada", a primeira novela radiofônica brasileira, de 1941.

Walcyr Carrasco conta que ele e "toda a família chorava" com o gênero. "Eu tinha uma trama de época e pensei: como dar um diferencial, que fale também com o jovem, que segue a internet? Como ampliar as fronteiras?", se perguntava o autor.

Walcyr nasceu no mesmo mês em que a rádio Tupi paulista começava a transmitir "Herança de Ódio": dezembro de 1951.

Obviamente não se recorda dessa trama, mas guarda lembranças da infância, tempo em que acordava "cedinho" e ouvia radionovelas com a mãe, fã infalível do gênero, antes de ir para a escola.

"Boa parte das novelas tem uma estrutura que poderia se assemelhar à de 'Êta Mundo Bom!', com mães e filhos que tentam se encontrar", ensina. "Não queria fazer uma que espelhasse a novela em si. A trama de Oduvaldo era ousada para a época, inovadora por ter um toque policial." Trata da luta de um filho para limpar o nome do pai.

Mauro Alencar, doutor em teledramaturgia pela USP, diz acreditar que a metalinguagem em "Êta Mundo Bom!" vai além da mera reprodução do texto de Viana.

"Se fecho os olhos [num capítulo], me ligo diretamente à era do rádio, quando a família de meu pai ou de minha avó escutavam."
Para ele, o roteiro de Walcyr e a direção de Jorge Fernando emulam elementos do dramalhão sonoro. Um é o tema: a busca pela mãe biológica ("isso fez a festa de nove entre dez radionovelas").

CONCENTRAÇÃO

Outro é a prosódia carregada, com diálogos num tom declamatório mais acentuado do que o estilo típico do telenovelista: algo essencial naqueles tempos em que a atenção ao rádio era dividida com os afazeres domésticos.

Não que hoje seja tão diferente: a televisão briga pela concentração de sua audiência com outras telas, como a do celular –uma dispersão que chega a 70% entre os brasileiros mais jovens, de acordo com uma pesquisa recente encomendada pelo YouTube ao instituto Provokers.

Walcyr reconhece as semelhanças e diz que bebeu na fonte do rádio ao escrever "Êta Mundo Bom!". "Foi proposital, não só no texto, como na estrutura. A radionovela buscava as emoções puras, intensas. Trabalhava com personagens arquetípicos", afirma. "Eu busquei justamente esses arquétipos, as emoções que a minha mãe sentia e que eu, quando criança, sentia também."

O diálogo com a obra de Oduvaldo Viana, o dramaturgo que ensinou os brasileiros a gostar de acompanhar uma história seriada, parece funcionar, por enquanto.

A saga de Candinho –que também flerta com o cinema de Mazzaropi e o romance "Cândido", de Voltaire– foi a melhor estreia entre novelas das 18h da Globo desde 2010. A audiência da primeira semana (18 a 23/1) foi 24% maior do que o último mês da antecessora, "Além do Tempo".

Para usar o texto, a emissora dependeu da autorização da Sociedade Brasileira de Autores. A instituição não comenta valores, mas adianta que o pagamento será à vista, para utilização sem tempo determinado. A Globo pode "dispor do enredo sem descaracterizar a obra radiofônica, mantendo a ideia original".

NA TV
Êta Mundo Bom!
QUANDO às 18h30, na Globo


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