Folha de S. Paulo


Escritores lançam boicote virtual à publicação de 'Minha Luta', de Hitler

Desde que editoras brasileiras anunciaram que publicariam o livro "Minha Luta", do ditador nazista Adolf Hitler (1889-1945), a decisão tem dividido opiniões e causado polêmica na internet. O texto caiu em domínio público no dia 1º de janeiro de 2016.

O mais novo capítulo desta questão é o manifesto elaborado por três escritores —Ricardo Lísias, Daniela Lima e Laura Erber— e a professora universitária Giovanna Dealtry, e publicado no perfil do escritor paulistano no Facebook nesta quinta-feira (28). Eles pedem o boicote às edições do livro, em especial à da Geração Editorial.

No manifesto, os intelectuais criticam a propaganda divulgada nesta quarta-feira (27) pela editora, também na rede social, e pedem que livrarias não aceitem vender os volumes.

Reprodução
editora geração editorial resolve publicar
Propaganda de 'Minha Luta' da editora Geração Editorial causa polêmica nas redes sociais

"A divulgação do livro já começou e, no entanto, o que vemos é o oposto de qualquer cuidado editorial: a editora está circulando um cartaz redigido em caracteres góticos, com uma imagem de Adolf Hitler dominando grande parte do espaço, em pose marcial e circunspecta. Há também um símbolo nazista cortado ao meio."

"A propaganda é desastrosa, uma peça que mimetiza a imagem nazista", disse Lísias à Folha.

"Além disso, se a capa do livro for semelhante ou idêntica àquela apresentada no cartaz, mimetiza a estética dos atuais best-sellers direcionados ao público adolescente", continua o texto. Para o escritor, que se diz favorável à publicação do livro, "mas não em edição comercial", a solução ideal é a dada pelas editoras alemãs. "Elas tem capas sóbrias, circunspectas, não com Hitler ocupando boa parte da imagem".

O diretor da Geração, Luiz Fernando Emediato, afirmou à Folha, por e-mail, que a "capa ainda está em fase de estudos e testes", mas diz que imagens semelhantes às da propaganda devem estampá-la. "Praticamente todos os livros e filmes sobre Hitler, a Segunda Guerra e o Holocausto têm Hitler nas capas e cartazes. Nossa capa tem Hitler, a suástica e imagens da guerra e do Holocausto. Do que reclamam?"

EDIÇÃO COMENTADA

Segundo Emediato, a edição de "Minha Luta" da Geração Editorial trará comentários a respeito do texto original, publicado por Hitler em 1925 —oito anos antes da ascensão do austríaco ao poder na Alemanha— e considerado a "Bíblia do nazismo".

"Qualquer um pode ler 'Minha Luta' de graça, baixando da internet. Nossa edição tem 600 páginas do texto de Hitler e mais 400 de notas, apêndices e comentários", afirmou.

Lísias, no entanto, rebate que os comentários, por serem de uma edição americana de 1939 —ano do início da Segunda Guerra Mundia—, estão desatualizados. "Ninguém tinha noção do que iria acontecer."

BRIGA PESSOAL

O escritor acusa o dono da editora de agredi-lo publicamente, pelo Facebook, por causa de uma postagem feita em seu perfil que criticava a propaganda. "Ele me comparou a Hitler, me agrediu por ter uma opinião diferente da dele."

Já Emediato diz que está sendo vítima de uma "campanha ridícula do escritor Ricardo Lísias", a quem chamou de "alucinado". "Quem o conhece sabe que não regula bem da cabeça. É um tipo diferenciado, meio maluco e espalhafatoso."

Até a publicação desta reportagem, já haviam manifestado interesse em participar do abaixo assinado nomes como o humorista e colunista da Folha Gregório Duvivier, a escritora Noemi Jaffe e o ex-candidato ao governo do Rio pelo Psol Tarcísio Motta.

A versão da Geração Editorial deve chegar às lojas no mês de março —segundo Emediato, não enfrentará problemas para atingir as prateleiras. A editora diz já ter entrado em contato com "as quatro maiores redes do Rio de Janeiro, e três confirmaram que vão vender", afirmou Willian Novaes, diretor comercial da Geração.

"Não nos preocupamos com isso. A rede Saraiva, por exemplo, está vendendo pela internet uma edição portuguesa. Por que não venderia a nossa?"


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