Folha de S. Paulo


Esta banda belga se tatua ao vivo durante os shows

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Fyl tatua um semicírculo no rosto. Mais tarde, no show, ele também tatuou as narinas.
Fyl tatua um semicírculo no rosto. Mais tarde, no show, ele também tatuou as narinas.

A banda belga Tat2noisact combina duas coisas com que realmente não me sinto confortável: cantar em público e ser tatuado também em público. Todo show, pelo menos para eles, significa novas tatuagens improvisadas na hora —com os desenhos baseados no ritmo da música. Mas parece que o resultado não importa tanto, porque, para eles, isso é mais uma questão da energia vinda da mistura de dor e barulho.

Logo depois do Natal, a banda passou alguns dias em Schaarbeek —uma cidade próxima de Bruxelas. No final de sua estadia, eles fizeram um show para um pequeno grupo de amigos. Por acaso, eu também estava na área e apareci lá para bater um papo com eles.

VICE: Oi, caras. Como surgiu essa ideia de se tatuar durante os shows?

Kostek: Tudo começou em 2005, quando abri um estúdio de tatuagem em Bruxelas. Eu já ensaiava às vezes com o Fyl, e nós dois gostávamos de tatuagem. Então, pensamos: "Gostamos de tatuagens e gostamos de música. Por que não combinar as duas coisas?". Basicamente foi isso.

Fyl: Aí outras pessoas se juntaram —e, do nada, éramos uma banda.

Kostek: No começo, era mais uma piada. Achamos que ia ser uma coisa de uma vez só. Fizemos nosso primeiro show numa vitrine do Distrito da Luz Vermelha em Bruxelas.

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Como é ser tatuado enquanto vocês tocam? Vocês tocam ou cantam de forma diferente?

Fyl: Para mim, isso é muito natural. Cantar e me tatuar são uma grande combinação. Você não nota a dor. Na verdade, acho que canto melhor quando estou sendo tatuado.

David: Tive de adaptar minhas técnicas de ritmo, porque ser tatuado enquanto toco bateria me distrai.

Como o público reage aos shows de vocês? As pessoas também são tatuadas?

Joakim: Adoramos tocar no meio do público, mas, em Paris, todo mundo mantém uma certa distância. Em Bruxelas, todo mundo já conhece a gente; logo, as pessoas são mais animadas e não têm medo de chegar mais perto.

Kostek: Às vezes, pessoas do público querem ser tatuadas, mas não é uma coisa que curtimos fazer. Você precisa de outro par de agulhas esterilizadas e tudo mais. Tatuamos um fã no palco uma vez, pois ele pediu com antecedência para tatuarmos uma barra de ouro nas bolas dele.

Joakim: Mas nem sempre dá para impedir o público de se tatuar. Uma vez, um cara se tatuou no braço com uma corda de guitarra quebrada que estava no palco.

Tem alguma parte do corpo de vocês que não chega perto da agulha de jeito nenhum?

Kostek: Sim, minha mão esquerda. Minha namorada quer que eu deixe essa mão em branco. Essa é a única parte do meu corpo que nunca toquei. Meu rosto não é muito problema, porém minha mão esquerda tem de ficar limpa.

Fyl: Não para mim. Ás vezes, tatuo meu rosto; outras vezes, não. Sempre preciso me acostumar um pouco quando olho no espelho no dia seguinte. Entretanto, não faço isso porque me odeio nem nada assim —sou um cara bem feliz até. Claro, algumas pessoas me olham como se eu fosse maluco, embora eu só sorria de volta e digo 'oi'. Esse é quem eu sou, e essa é a minha cara.

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Esta banda belga se tatua ao vivo durante os shows. As costas do vocalista Fyl. Tat2noisact
As costas do vocalista Fyl

Vocês começam as tatuagens com ideias específicas em mente, ou é tudo improvisado na hora?

Kostek: Às vezes, tenho algo em mente; às vezes, não. Isso depende do ritmo da música. O Joakim inventou uma máquina que amplifica o som das agulhas. Portanto, quando nos tatuamos durante o show, também estamos fazendo música com a máquina. Se meu braço já não estivesse tão tatuado, ele ia parecer a partitura das nossas músicas.

Como vocês descrevem seu som?

Fyl: Bom, somos bastante ecléticos. Às vezes, nosso som é mais punk rock; outras, mais noise, hardcore e até afrobeat.

Joakim: Hoje, nosso som é mais estruturado. Costumávamos ser mais noise —mais sobre a energia e as tattoos. Só que fazemos isso há dez anos; então, melhoramos como compositores com o tempo. Ensaiamos toda semana, mas não nos tatuamos toda semana.

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Esta banda belga se tatua ao vivo durante os shows. A banda prefere tocar para públicos menores. Tat2noisact
A banda prefere tocar para públicos menores

E as tatuagens? Elas ficaram mais estruturadas também?

Fyl: Não. No meu caso, já tenho tantas tatuagens uma por cima da outra que nem dá mais para ver o desenho de nada. Olha esses pontos na minha barriga —isso foi uma vez que usei os espinhos de uma rosa para aplicar a tinta.

Kostek: É tudo muito orgânico. Às vezes, tatuo por cinco minutos, e às vezes levo 20. Às vezes, amplifico o som; às vezes, não. Também já fizemos shows tocando mais e tatuando só um pouco.

Qual o objetivo de continuar fazendo isso depois de dez anos? O corpo de vocês já não está totalmente fechado?

Fyl: Não. Minhas costas têm mais de 200 tatuagens, mas ainda tem bastante espaço.

Kostek: Meu braço está ficando bem cheio. No entanto, mesmo que você não consiga ver uma tatuagem nova, não quer dizer que ela não esteja lá. Você sempre sente o lugar onde a agulha tocou sua pele.

Joakim: E quando sua pele estiver completamente coberta de tinta preta, você sempre pode deixar isso mais escuro. Ou trocar para branco ou colorido. Isso não tem limites.

Meu francês está um pouco enferrujado. Do que as letras de vocês falam?

Fyl: Eu tiro a maior parte da minha inspiração de artigos de jornal e da literatura. Leio muito; assim, frequentemente leio para o público. Geralmente, leio trechos de obras de escritores que admiro —como Mykola Arkas ou Allen Ginsberg.

Joakim: Uma das nossas músicas é baseada num texto de Robert McLiam Wilson e lida com a ironia do homem voltando para a natureza.

Vocês tocam só de vez em quando; portanto, o que vocês fazem para ganhar a vida?

Kostek: Sou tatuador.

David: O Fyl faz várias coisas. Ele é cabeleireiro, ator e artista. Eu sou editor de vídeo.

Joakim: Faço pedais de guitarra e trabalho como engenheiro de som.

Vocês tocam juntos há 10 anos. Quais são os planos para o futuro?

Joakim: Dificilmente gravamos músicas próprias. Agora, temos algumas músicas da banda na internet; então, queremos começar a gravar mais.

Kostek: Queremos continuar, mas ainda não sabemos direito em que direção.

Joakim: Também queremos começar a trabalhar com decoração. Tem um cara que quer soldar gaiolas de ferro ao vivo no palco. Assim, vamos poder combinar isso com literatura nos nossos shows no futuro.

Kostek: Também conheço um cara que toca flauta; então, quem sabe como isso vai terminar?

Tradução MARINA SCHNOOR

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