Folha de S. Paulo


Em livro de ensaios, israelense Amós Oz discute antídoto para fanatismo

Pegue um fanático. Reserve. Adicione senso de humor, compaixão e uma boa literatura. Voilà, ele está curado.

Não, não há receita para lidar com o fenômeno do extremismo, que governos do mundo têm enfrentado a duras penas. Mas o escritor israelense Amós Oz, 76, oferece no novo "Como Curar um Fanático" algumas recomendações.

O ensaio que dá nome à obra resulta de um discurso de Oz em 2002, na Alemanha. Àquele tempo, a referência era o ataque da Al Qaeda às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, e não às decapitações do Estado Islâmico.

Zanone Fraissat - 9.nov.2011/Folhapress
O escritor Amós Oz durante palestra em São Paulo em 2011
O escritor Amós Oz durante palestra em São Paulo em 2011

Mas pouco mudou no fanatismo. A questão, diz Oz à Folha, só tornou-se ainda mais urgente. "Está mais claro hoje que a síndrome destes anos é o combate entre os fanáticos e o restante de nós."

Não exatamente porque as pessoas tenham se tornado mais radicais, afirma. Mas porque o mundo tem se tornado cada vez mais complexo, e as pessoas têm progressivamente buscado respostas mais simples a suas dúvidas. Afinal, "os fanáticos sempre têm a resposta mais fácil".

GERME

Oz ("De Amor e Trevas", "O Mesmo Mar") é um dos mais celebrados autores israelenses. Há décadas comenta o conflito entre Palestina e Israel. Mas essa obra não se refere ao terrorismo que hoje esfacela o Oriente Médio, muito menos apenas ao islã.

Ele dispensa a ideia de que exista um "choque entre civilizações", como sugerido por Samuel Huntington em uma tese clássica dos anos 1990.

"É uma coisa mais antiga do que qualquer religião. Há um gene, um germe em todos nós. Em alguns casos, esse gene toma o controle. Quem explode uma clínica de aborto nos EUA não é diferente de um muçulmano radical", diz. Tampouco a extrema-direita que tem crescido na Europa.

"Um fanático acredita que uma coisa ruim tem que ser destruída. Ele quer purificar as coisas", afirma o autor.

"Como Curar um Fanático" inclui, ademais, outros textos curtos, como uma palestra dada logo após o atentado a Paris em novembro de 2015.

Mas, afinal, como se cura um fanático? Oz apresenta, portanto, uma visão complexa do fenômeno –e antídotos.

Um deles é a capacidade de rir. "Nunca vi um fanático com senso de humor", diz. Outra sugestão é expor-se à compaixão por meio da boa literatura. "Fanáticos sempre generalizam. Bons romances nos ensinam a ver nuances."

Assim, quando um leitor se depara com um personagem de má índole em um livro, mas sente empatia por ele, aprende a ser mais tolerante.

"A má literatura é aquela que pinta um mundo em branco e preto. É aquela que leva o leitor a querer que o mocinho mate o bandido, e então tudo estará resolvido. Há um impacto corruptor."

Algo semelhante às opiniões sobre o conflito entre palestinos e israelenses, que observadores pelo mundo tendem a resumir em uma batalha entre o bem e o mal. Para Oz, é um embate entre duas partes que estão corretas em sua reivindicação pela terra.

"Para muitos, é difícil de entender. Querem saber quem está certo ou errado." Mas essa é uma atitude infantil e preguiçosa, sugere o autor.

Como Curar Um Fanático
Amós Oz
l
Comprar

Assim como comparar o drama do Oriente Médio com aquele da África do Sul, enxergando uma equivalência entre a segregação de palestinos e o apartheid africano.

"As pessoas pensam que as coisas são parecidas, mas temos que nos concentrar nas diferenças, e não nos denominadores comuns", diz.

COMO CURAR UM FANÁTICO
AUTOR Amós Oz
TRADUÇÃO Paulo Geiger
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 29,90 (104 págs.)


Endereço da página:

Links no texto: