Folha de S. Paulo


Diretor testa 50 candidatas para viver Gabriela de Jorge Amado em musical

Eduardo Knapp/Folhapress
Sao Paulo, SP, Brasil, 06-01-2016 16h10:Casting para encontrar a atiz que sera a Gabriela para o musical dirigido por Joao Falcao. Candidata Amanda Carvalho,23 (do Rio de Janeiro)danca durante teste no estudio Armazem da Luz (na Vila Leolpodina)observados por membors da producao do musical, entre eles o diretor Joao Falcao(Foto Eduardo Knapp/Folhapress.ILUSTRADA). Cod do Fotografo: 0716
Amanda Carvalho dança durante audição para "Gabriela", musical baseado na obra de Jorge Amado

Amanda Carvalho, 23, quer ser Gabriela, mas teme não estar à altura –nem largura– da mulher com cheiro de cravo e cor de canela, que seduz gerações desde que apareceu no livro que leva seu nome, lançado em 1958 por Jorge Amado.

"Ó o status da pessoa: bundinha e peitinho", diz sobre si a atriz com peças infantis no currículo ("O Patinho Feio"), ajeitando a camisa da banda inglesa The Smiths no corpo mignon.

"Pô, a Juliana tem uma 'raba' desse tamanho", emenda, comparando seu bumbum ao de Juliana Paes, que interpretou a personagem na Globo, em série de 2012.

Setecentas meninas responderam ao chamado do diretor João Falcão –à procura de uma garota "com mais de 18 anos, brasileira, linda e que saiba cantar". Em novembro, o pernambucano (das peças "A Máquina" e "Clandestinos") abriu testes para a protagonista do musical "Gabriela", que estreia em maio no Teatro Bradesco (São Paulo).

Amanda trocou a camiseta dos Smiths por um vestidinho brejeiro branco e tentou a sorte cantando a capela "São Salvador" (Dorival Caimmy) para Falcão e sua equipe. Ela foi uma das 50 selecionadas para as audições –a Folha acompanhou o primeiro de três dias de sabatina, na quarta (6), num galpão na Vila Leopoldina (zona oeste de São Paulo).

O que Falcão procura em sua Gabriela? "Nada objetivo. Espero é ser encontrado por ela", diz. Só dispensa uma mímica de Sonia Braga –que entregou a mais clássica encarnação da personagem, na novela de 1975 e no filme de 1983.

É Sonia que impera no imaginário brasileiro quando se pensa na menina que "de algumas coisas gostava demais" –água fria, praia branca, goiaba e "mais do que tudo de moço bonito"– e outras de menos –como quando seu Nacib, o marido árabe que lhe botara um dente de ouro (isso achou legal), insistia que ela usasse sapato de mulher casada (preferia "chinela") e não risse mais para "seu Tonico, seu Ari, seu Epaminondas".

A Gabriela da novela, que causa rebuliço ao subir no telhado, de vestidinho, para pegar uma pipa, "vinha na esteira de Gal Costa. Ela já tinha o cabelão, a flor no cabelo", afirma Falcão.

O diretor era um rapazote de 17 anos quando estreou a novela com justamente ela, Gal, cantando "Modinha para Gabriela" (outra de Caymmi) na abertura: "Eu nasci assim, eu cresci assim [...] Gabriéééla, sempre Gabriéééla".

Escute a canção

A obra será fiel aos anos 1920 do livro. A ideia de adaptá-la para os palcos veio após um produtor inglês, Kevin Wallace (indicado aos prêmios Tony, por "Jesus Cristo Superstar", e Olivier, por "O Senhor dos Anéis"), sugerir um espetáculo original a Falcão.

O roteiro tinha favela, tinha Brasília... O diretor confessa: achou aquilo tudo "um samba do crioulo doido". Propôs que montassem "uma história brasileira e clássica". E "Gabriela" é "uma espécie de 'Amarcord' do Jorge Amado", afirma, lembrando o clássico de Fellini.

Wallace topou, e o resto é história –ainda em construção. Falcão escolherá sua Gabriela e o resto do elenco nas próximas semanas, assim como a trilha sonora, que pode ir de Pixinguinha a Lulu Santos.

O musical "Gabriela" é um do frutos caseiros entre várias adaptações da Broadway previstas para 2016 no país, de "Ghost" a "Wicked". Para o diretor, eis um ciclo perigoso, no qual um espetáculo nacional "tem menos recursos, publicidade" e, consequentemente, "menos público".

Mais ou menos como "Star Wars" nos cinemas, compara –qual distribuidor vai arriscar exibir um filme brasileiro e perder essa bocada certeira que é o blockbuster hollywoodiano?

A produtora Almali Zraik, que trouxe ao Brasil "A Bela e a Fera" e "O Fantasma da Ópera", conta que o plano é exportar "Gabriela" e "abrir portas lá fora" para mais peças daqui –isso se a alta do dólar der trégua. "Agora, sem condição."

50 TONS DE CANELA

O livro já tem 57 anos, mas temas lá presentes, como o Brasil mestiço e a sociedade patriarcal, não caducaram, afirma Barbara Sut, 19, a aspirante número 3 a Gabriela.

Ela reclama por mais papéis para atrizes com sua cor de pele. "Muitas vezes a peça vem de fora e preferem manter o padrão de lá, não querem uma Mary Poppins negra", afirma.

Fora que "o que se espera do negro é um 'perfil de negro'", diz. Já fez testes em que presumiam ser óbvio ela jogar capoeira e tocar atabaque.

Falcão brinca que, ao pinçar suas finalistas, acabou com "50 tons de canela", dado a variedade de tons de pele –de morenas claras a negras.

A questão feminista já mostrava sua força no livro de Amado, diz Falcão, elencando personagens como a moça proibida de sair de casa "e que passa o dia na janela", a assassinada por adultério e a liberal que "lê livros proibidos para filhas riquinhas de coronel".

E, claro, tem Gabriela, "que não tá nem aí pra nada e só gosta de viver, ser feliz".

Falcão cita a passagem em que Nacib flagra a mulher com outro. Para manter a honra, só matando (o que não tinha coragem de fazer) ou alegando que o casamento não valeu. "E, se não era casado, não foi corno, aí fica tudo bem", diz.

Para Amanda, a candidata número 6, o Brasil de 2015 e o dos anos 1920 têm muito em comum nesse aspecto. "A gente está até hoje buscando essa liberdade que não tem". Ela fala de mulheres ainda tuteladas "para ser a mocinha que senta de perna cruzada".

"A Gabriela faz a gente engolir isso, esse moralismo todo, de uma forma muito gostosa" diz. "Como se estivéssemos comendo uma goiaba."


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