Folha de S. Paulo


Jazz é inspiração de álbum que Bowie lança no dia em que completa 69 anos

Videoclipe de David Bowie

Muitas perguntas surgiram em novembro, quando David Bowie lançou o videoclipe de "Blackstar" –a faixa-título, de 10 minutos de duração, de seu novo álbum. Qual era o significado do surrealismo de ficção científica do vídeo? O que inspirou sua letra sombria? Quem eram os músicos que ajudaram a moldar seu estilo complexo, mas ágil?

Pelo menos uma dessas perguntas pode ser respondida. Roqueiro difícil de definir e cuja música sempre foi tão mutável quanto sua imagem, Bowie chamou para tocar com ele o Donny McCaslin Quartet, um grupo de jazz-rock.

Ele se sintonizou perfeitamente com o metabolismo receptivo da banda, abrindo uma porta nova e improvável em sua carreira, que já dura quase 50 anos. O álbum será lançado nesta sexta (8), no dia de seu aniversário de 69 anos.

Depois do rock revisto de seu disco anterior, "The Next Day", de 2013, Bowie estava decidido a buscar inspiração em outra parte. Tony Visconti, seu produtor e colaborador principal desde "Space Oddity", de 1969, revelou que ao longo dos anos eles dois admiraram o lugar ocupado pelo álbum de Kendrick Lamar, "To Pimp a Butterfly", dentro e fora do hip-hop, especialmente em sua relação com o jazz.

"David e eu sempre fomos fascinados por Stan Kenton e Gil Evans", diz Visconti, aludindo a dois destacados arranjadores de jazz de meados do século 20. "Falamos disso praticamente desde que nos conhecemos, nos anos 1960. Sempre vimos o pop e o rock como algo que éramos perfeitamente capazes de fazer, mas achávamos que os deuses do jazz ocupavam um pedestal muito mais elevado."

O primeiro indício desse rumo foi visto nas últimas semanas de 2014, quando Bowie lançou "Sue (Or in a Season of Crime)", uma faixa em clima noir com a Maria Schneider Orchestra. Foi aventada a possibilidade de levar adiante o envolvimento de Schneider, mas ela estava ocupada demais com seu próprio álbum. Ela então recomendou a banda de Donny McCaslin.

Escute o álbum
McCaslin, 49, tem sido presença constante no cenário do jazz de Nova York há mais de 20 anos. O saxofonista é um improvisador hábil que frequentemente faz solos ao mesmo tempo desvairados e convincentes.

Quatro anos atrás, McCaslin reuniu os outros membros de seu quarteto e, em 2012, lançou o primeiro álbum da banda, "Casting for Gravity", sendo seguido no ano passado por "Fast Future". O grupo se apresenta normalmente no 55 Bar, onde Bowie apareceu sem ser anunciado no início do ano passado para ouvi-lo.

"Foi bacana que ele nos ouviu no ambiente em que estamos mais à vontade", comenta o baterista Mark Guiliana. Pouco depois, Bowie os convidou para trabalhar com ele em seu novo álbum, numa série de sessões de gravação no Magic Shop, no bairro do SoHo.

As partes fizeram a lição de casa. Bowie tinha ouvido com atenção "Casting for Gravity" e "Beat Music: The Los Angeles Improvisations", um álbum lançado independentemente por Guiliana. "E assistimos aos vídeos deles no YouTube", afirma Visconti.

Enquanto isso, McCaslin recebeu dois lotes de demos de Bowie com suas partes de guitarra. O saxofonista comandou um ensaio improvisado num porão no Brooklyn para que os músicos chegassem ao estúdio já conhecendo as canções.

FORÇA MÁXIMA

A banda se preparou para tocar em uma sala no Magic Shop. Em vez de tomar seu lugar numa cabine isolada ou na sala de controle, Bowie ficou ao microfone no meio dos músicos. Acabou cantando cada tomada ao vivo com o grupo, mesmo sabendo que as faixas vocais resultantes seriam inutilizáveis devido ao excesso de som vindo da bateria.

"Foi inspirador", diz Guiliana. "Ele estava com força máxima do começo ao fim. Apesar de não estar com a letra na mão e de ser mais um guia melódico, o envolvimento dele afetou a performance de todo mundo. Aquilo realmente me surpreendeu."

As partes do baixo e da bateria das demos estavam bem desenvolvidas, mas para o tecladista Jason Lindner foi preciso encarar um processo de tradução. Ele usou um total de nove teclados, com pedais diversos de distorção e efeitos.

Apenas uma faixa do álbum, a balada agridoce "Dollar Days", foi criada sem uma demo para servir de referência –Bowie a tocou no violão e os músicos a aprenderam de ouvido. Mas outras faixas incluíram elementos desenvolvidos na hora, como o baixo de Tim Lefebvre que abre "Lazarus". Algumas canções, como "'Tis a Pity She Was a Whore", são intensas. No trecho final, durante o lamento tocado por McCaslin, Bowie é ouvido soltando gritos roucos.

Ao longo do processo, parece claro que Bowie estava engajado com a ideia de uma banda funcional. "A única orientação geral que recebemos foi 'divirtam-se'", diz Lindner. "Ele confiou em nós."

Visconti reiterou essa ideia, dizendo que músicos de jazz que se aproximam do rock geram uma energia diferente da dos roqueiros que se aproximam do jazz. "Um músico realmente bom é capaz de tocar qualquer forma de música", afirma ele.

Tradução de CLARA ALLAIN

BLACKSTAR
ARTISTA: DAVID BOWIE
GRAVADORA: COLUMBIA
QUANTO: US$ 9,99 no iTunes (R$ 40)


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