Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Obra recupera peça engajada do Centro Popular de Cultura

Quando o crítico e editor Fernando Peixoto selecionou as oito peças de "O Melhor Teatro do CPC da UNE" (Global, 1989), obra de referência da dramaturgia "agitprop" do Centro Popular de Cultura, deixou de fora textos importantes de Oduvaldo Vianna Filho, como "A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar", e vários outros, inclusive de CPCs (Centro Populares de Cultura) de outros Estados, como "Mutirão do Novo Sol", escrito pela equipe de São Paulo.

O lançamento de "Mutirão em Novo Sol", financiado pelo governo paulista e com edição do Laboratório de Investigação em Teatro e Sociedade da USP, sob coordenação do diretor Sérgio de Carvalho, mostra que o CPC não se limitou ao Rio de Janeiro, afinal, naquele início dos anos 1960, pré-golpe.

Hejo/Cedoc-Funarte
Nelson Xavier, Flavio Migliaccio e Milton Goncalves na peca 'Chapetuba Futebol Clube', do Teatro de Arena. Foto: Hejo/ Cedoc-Funarte ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Nelson Xavier (na frente), Flavio Migliaccio e Milton Goncalves na peca 'Chapetuba Futebol Clube', do Teatro de Arena

Para tanto, a peça, sobre conflito no campo, toma só um terço do livro, sendo o restante dedicado a depoimentos, ensaios e registros diversos que apresentam "Mutirão" como texto seminal, que se inspirou no "teatro tribunal" do diretor alemão Erwin Piscator e que influenciaria Glauber Rocha e o cinema novo.

SEM RESPOSTAS ÓBVIAS

Essa redescoberta histórica começou há três anos no palco, quando a peça foi reencenada para o Encontro Unitário dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Povos do Campo, das Águas e das Florestas, em Brasília.

É o que relata o posfácio de Rafael Litvin Villas Bôas, professor da UnB, num ensaio revelador sobre as pontes que ligam não só os dois momentos de "Mutirão", separados por meio século, mas também o movimento social no país, então e agora.

A primeira indagação que ele faz, com "o material à disposição" no livro, é um indicativo de quem quer evitar complacência e autoengano: "Por que perderam aqueles potentes movimentos, organizações e militantes?". Por que perdeu aquele teatro?

Recusam-se respostas óbvias, escreve Villas Bôas, mas ele mesmo logo responde que um problema foi "a consolidação da indústria cultural, sobretudo por meio da televisão privada", que "ligou o país" e consagrou "o melodrama como norma estética".

Talvez seja o caso de ver com olhos também céticos, resistentes à complacência, o próprio espetáculo teatral e suas poucas apresentações, então e agora.

Diferentemente dos textos em "O Melhor Teatro do CPC", "Mutirão" quase não tem humor -que foi uma das armas mais fortes do CPC, segundo Peixoto, como comprova o "Auto dos 99%", de Vianinha e outros autores.

Por outro lado, a apresentação de 21 de agosto de 2012, além de reafirmar o caráter episódico das encenações, trouxe de volta a questão que sempre perseguiu o CPC -ser arte levada aos trabalhadores, não criada por eles.

Como diz o ator Juca de Oliveira em seu depoimento no livro, ele que esteve em duas apresentações da peça em 1961: "O ideal que nós buscávamos era que eles cantassem junto conosco, e só não podiam fazer isso porque não sabiam a letra".

MUTIRÃO EM NOVO SOL
AUTOR Nelson Xavier e outros
ONDE: Expressão Popular
QUANTO: distribuição gratuita, via teatroesociedade@gmail.com (199 págs.)


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