Folha de S. Paulo


De diretor de comercial a Hollywood, Afonso Poyart dirige Anthony Hopkins

Adriano Vizoni/Folhapress
SAO PAULO - SP - BRASIL, 14-12-2015, 16h20: Retrato do diretor brasileiro Afonso Poyart (
Diretor brasileiro Afonso Poyart

Era uma vez em Hollywood um santista que, com um só filme no currículo, tomou café da manhã com "sir" Anthony Hopkins. O ator interrompeu as filmagens de "Hitchcock" para devorar o peixe cozido de um hotel em Beverly Hills.

"Isso foi tão inglês", lembra Afonso Poyart, 37, numa padaria na Vila Madalena (zona oeste de SP). O encontro em 2012 fora arranjado para Anthony, "o Tony", decidir se ia ou não com a cara do candidato a diretor de seu novo longa.

Com o aval da estrela de "Presságios de um Crime", que estreia no dia 28/1, Poyart emplacou o "sonho americano" cultivado por gerações de brasileiros: chegar a Hollywood.

Não foram poucos os que tentaram. Primeiro teve Carmen Miranda, que cantou "Disseram que Eu Voltei Americanizada" a quem desancava seus musicais em L.A.

Pelé atuou com Michael Caine e Sylvester Stallone em "Fuga para a Vitória" (1981), como um prisioneiro do nazismo.

Rodrigo Santoro apareceu sem camisa e sem falas em "As Panteras 2" (2003). Já Gisele Bündchen ganhou US$ 350 mil para dizer cinco frases em "O Diabo Veste Prada" (2006).

Entre os cineastas, Poyart entra numa lista com Bruno Barreto e José Padilha. Ele dirigiu "Presságios de um Crime" —"Solace", no título original. (Sobre a tradução: "Parece 'Tela Class'", diz, referindo-se ao programa em que humoristas de "Hermes e Renato" dublavam filmes toscamente.)

Solace

No thriller, o personagem de Hopkins, um vidente, ajuda o FBI a desbaratar um serial killer (Colin Farrell) que também tem poderes paranormais.

"Obscuro e sentimental", segundo a revista "Variety", o filme tem "toques que só poderiam ser de Poyart" —como a cena em que passado e futuro coexistem na tela, quando Hopkins recria mentalmente a morte de uma mulher nua, numa banheira de lírios e sangue.

A "Variety" lembra que "Presságios" foi pensado como sequência de "Seven", de David Fincher. Para o inglês "The Guardian", Poyart espalha recursos "sub-Fincher" por toda parte, "fazendo a coisa toda parecer um comercial levemente assustador".

Poyart debutou nos longas em 2012, com "2 Coelhos", ação com Alessandra Negrini e Caco Ciocler, que teve recepção crítica boa, sem ser entusiasmada. Uma resenha na "Ilustrada" destacou a linguagem ágil, cheia de intervenções animadas, com a ressalva: "O início de '2 Coelhos' lança a dúvida: o filme começou ou é um anúncio de cartão de crédito para universitários?".

A obra serviu como cartão de visitas para o publicitário de formação. Seu "olheiro": Brent Travers, agente que representa Wagner Moura e Isis Valverde no exterior.

O americano estava no Festival de Sundance com Wagner, que apresentava "A Busca". O editor desse filme achou que Brent gostaria de outra produção em que trabalhou: "2 Coelhos". "Dois dias depois, voei só com minha bolsa de mão, fui ao cinema mais próximo, liguei para o Afonso e pedi que viesse comigo para os EUA", afirma à Folha.

Gostou do estilo dele, "que faz filme para uma audiência maior, algo que não via [no país] desde 'Cidade de Deus'".

Poyart fechou contrato com a New Line (da Warner Brothers). Mas, no meio do caminho, a distribuidora Relativity faliu. Efeito cascata: a estreia na Europa foi em 2015 e está adiada no cinema americano.

O orçamento encolheu de US$ 50 milhões para US$ 30 mi —15 vezes mais do que os R$ 7,6 milhões (US$ 1,9 mi) de "Mais Forte que o Mundo", superprodução nacional que finaliza sobre o lutador de MMA José Aldo.

Não foi fácil. Poyart sabia que estava ali para agradar ao cliente. E tinha o ego. Conta que Hopkins, "numa produção menor do que com que estava acostumado", estressava fácil. Pegou no pé da atriz Abbie Cornish e teimou em gravar uma cena mascando chiclete. No fim, o astro amansou e, segundo o diretor, até reconheceu que a tomada da goma de mascar "ficou uma merda" —regravaram-na por US$ 200 mil.

O set americano —extremamente profissional— era trunfo e revés. Poyart tinha seu próprio trailer, e as coisas andavam. Mas o esquema "linha de produção" lhe deu a impressão de que "tudo era perfeito demais, sem emoção".

E ele começou a carreira com emoção de sobra: fazendo comerciais para pet-shop em Santos, numa época em que a computação gráfica era sexy como uma apresentação de PowerPoint. Depois trabalhou para Boticário e Burguer King e dirigiu clipes para Charlie Brown Jr. e Felipe Dylon.

O primeiro flerte com o cinema rendeu prêmios nos festivais do Rio e de Gramado: o curta "Eu Te Darei o Céu (2005), sobre "uma solteirona em crise que ganha das amigas um garoto de programa".

Hollywood nunca saiu de seus planos. "Não sou um cara que acredita em filmes 'cool'. Sou de uma escola na qual cinema não se aprende em faculdade de cinema. Tarantino nunca foi a uma."

PRESSÁGIOS DE UM CRIME
DIREÇÃO Afonso Poyart
ELENCO Anthony Hopkins, Colin Farrell, Abbie Cornish
PRODUÇÃO EUA, 2015
QUANDO estreia dia 28/1

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ERA UMA VEZ EM HOLLYWOOD
Diretores nacionais que deram certo (ou não) nos EUA

José Padilha
Com os dois 'Tropa de Elite' no currículo, foi convidado para dirigir o remake de 'Robocop' (2014); diz ter projetos de filmes nos EUA sobre crescimento imobiliário em NY (o protagonista é inspirado em Donald Trump) e sobre corrida espacial no setor privado.

Robocop

Fernando Meirelles
Após a repercussão de 'Cidade de Deus', dirigiu atores como Rachel Weisz, Julianne Moore e Anthony Hopkins, respectivamente, nas produções 'O Jardineiro Fiel' (2005), 'Ensaio sobre a Cegueira' (2008) e '360' (2011).

Ensaio sobre a Cegueira

Bruno Barreto
Dirigiu Robert Duvall e Amy Irving (futura mulher, hoje já ex) em 'Assassinato sob duas Bandeiras' (1990); Stephen Baldwin em 'Entre o Dever e a Amizade' (1998) e Gwyneth Paltrow na comédia 'Voando Alto' (2003).

Voando alto

Marcio Garcia
Mais conhecido como ator e com um curta no currículo, foi chamado para dirigir a comédia romântica 'Amor por Acaso' (2010), com Dean Cain (ex-Super-Homem na TV) e Juliana Paes.

Amor por acaso

Walter Salles
Fez um remake do terror japonês 'Água Negra' (2005), com Jennifer Connely, 'Diários de Motocicleta' (2004), coprodução com vários países em que Gael García Bernal é Che Guevara, e um curta de 'Paris, Eu te Amo' (2006).

Diários

Carlos Saldanha
O carioca fez carreira na área de animação dos Estados Unidos, nas franquias 'A Era do Gelo' e 'Rio'.

Era do Gelo

Heitor Dhalia
Com 'O Cheiro do Ralo', 'Nina' e 'À Deriva', o pernambucano entrou no radar estadunidense; reclamou de ter pouco controle sobre o thriller '12 Horas' (2012), com Amanda Seyfried, sua primeira e única obra hollywoodiana.

12 horas

Hector Babenco
Radicado no Brasil, o argentino filmou 'Ironweed' (1987), com Jack Nicholson e Meryl Streep, indicados ao Oscar pelos papéis de dois alcoólatras; filmado em SP, 'O Beijo da Mulher-Aranha' também foi lembrado na premiação, em 1985 —nas categorias filme, direção e ator (vencida por William Hurt, que viveu um gay).

Ironweed


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