Folha de S. Paulo


Fundador do AfroReggae, José Junior lança biografia escrita por jornalista

Leo Aversa/Divulgação
José Junior, fundador do AfroReggae, em foto da capa de sua recém-lançada biografia
José Junior, fundador do AfroReggae, em foto da capa de sua recém-lançada biografia

José Junior é amigo de bandido, José Junior tem amizade com policial. Troca ideia com os traficantes do calibre de Marcinho VP e Elias Maluco. Posa com os apresentadores Xuxa e Luciano Huck.

Passeia por todo o espectro político: conta que Manuela d'Ávila (PCdoB-RS), com quem selou uma "conexão cármica" após conhecer no Twitter, o ajudou a se reconectar com Aécio Neves (PSDB-MG), que teria lhe oferecido um ministério (Cultura ou Direitos Humanos) caso vencesse as eleições para presidente em 2014.

De que lado, afinal, Junior, 47, está? Incensado por uns como visionário do terceiro setor, criticado por outros pelo tino marqueteiro –o secretário de Segurança do Rio, José Mariano Beltrame, já o definiu como "engenheiro de obra pronta", por aparecer em comunidades pacificadas e levar o crédito.

Essa dicotomia dá o tom de "José Junior: No Fio da Navalha", que o autor, Luis Erlanger, define como "uma rara biografia autorizada sem ser chapa-branca" (Beltrame, aliás, foi a um dos lançamentos do livro). Amigo do biografado, Erlanger, ex-diretor de comunicação da Globo, não alivia sua barra.

Estamos falando de um dos ativistas mais polêmicos do Brasil, no radar midiático desde que fundou a ONG AfroReggae, há 22 anos, em Vigário Geral. No mesmo ano de 1993, policiais chacinaram 21 pessoas da favela.

Na época, a comunidade carioca era chamada de "Bósnia brasileira", e não é muito difícil imaginar o porquê: lá a guerra entre facções fomentou práticas criminosas como o "micro-ondas" (incendiar o desafeto dentro de pneus), a "múmia" (enrolá-lo com fita crepe até a asfixia) e o "retorno do Jedi" (espancá-lo com um pedaço de pau em chamas).

Aí entra Junior, ex-entregador de jornais, ex-animador de festas (se vestia de Batman até que um garoto apontou uma arma para ver se o herói era de verdade) e ex-taxista.

Sua expertise é mediar conflitos. No livro, ele conta várias estratégias para tirar alguém da vida bandida.

Para explicar a "síndrome de Darth Vader", compara-se a Luke Skywalker –quem atiça o lado humano do vilão de "Star Wars", que no fim mata o imperador do mal. "Acredito que todo homem, por pior que possa ser, tem uma centelha boa, e, como Luke, foco e tento trazer isso para fora."

CONSUMISMO

Nos anos 1990, voltava do exterior com vários tênis Nike. Era uma tática para tirar jovens do tráfico, a quem prometia esses objetos de desejo.

Lição: o consumismo que os empurra para o crime pode salvá-los. Para Junior, "uma vida muda num detalhe, num jeito, numa entonação. Pode ser elogio, demonstração de admiração ou uma puta agressão, dependendo do modo como você fala".

Para Erlanger, o livro virou "metáfora do país, também no fio da navalha. Difícil separar mocinhos de bandidos. Uma crise ética que só revela a hipocrisia da nossa elite".

Biógrafo e biografado contam à Folha que só concordaram em deixar de fora dois episódios por envolver terceiros que poderiam ser assassinados por traficantes caso a história viesse à tona.

De resto, vale tudo. Junior conta que já fez sexo com homem. Como um chamado Sete, segurança de prostitutas (uma delas chamada Bruxa), aprendeu "questões esotéricas". "Foi o cara que me deu o 'start'. Dificilmente eu seria quem sou se não tivesse conhecido o Sete."

A obra também aborda a proximidade com políticos. Sobre o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, afirma: "Somos tão íntimos e resolvemos tantos problemas juntos que ele me chama de 'pica'".

Há duas grandes polêmicas. Uma delas é a morte de Eduardo, 10, por um tiro de fuzil no Complexo do Alemão, em abril. Erlanger diz que Junior repetiu "um vício que vive criticando na grande imprensa". Reproduziu no Facebook: "Esse menino, segundo informações, era bandido". Nada indicava isso.

A internet caiu em cima, e a mãe do menino ameaçou processá-lo. À Folha, Junior diz que foi alvo de "blogs do PT", por apoiar Aécio ("o primeiro tucano em que votei na vida").

Ele, que já votou em Dilma, hoje se diz "completamente favorável ao impeachment".

A outra controvérsia: sua relação com o pastor Marcos Pereira, de quem se aproximou por intermédio de um irmão de Marcinho VP, chefão do Comando Vermelho.

No Fio da Navalha
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Junior depois acusou o líder da Assembleia de Deus dos Últimos Dias de estuprar fiéis e de planejar sua morte com o crime organizado –o pastor foi condenado, em 2013, a 15 anos de prisão por estupro, mas foi colocado em liberdade, um ano depois, após acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária.

A capa do livro simula Junior num instrumento de tortura medieval, puxado por cordas em seus braços e pernas. Remete ao "Homem Vitruviano" de Leonardo Da Vinci e à crucificação de Cristo.

"O que sempre esteve presente foram os óculos escuros. Mesmo torturado, ele é estiloso", brinca Erlanger. Vaidoso também: antes da foto, passou por um spa chique no Sul.

JOSÉ JUNIOR: NO FIO DA NAVALHA
AUTOR Luis Erlanger
EDITORA Record
QUANTO R$ 40 (280 págs.)


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