Folha de S. Paulo


crítica

Biografia de Vandré é cheia de dados, mas não supera o óbvio

Edvaldo Ramos Silva - 19.mai.1964/Folhapress
Geraldo Vandré em entrevista na Redação da Folha em 1964
Geraldo Vandré em entrevista na Redação da Folha em 1964

"Vandré - O Homem que Disse Não", do jornalista mineiro Jorge Fernando dos Santos, é a segunda biografia lançada neste ano sobre o cantor e compositor Geraldo Vandré –a outra é do também jornalista Vitor Nuzzi ("Geraldo Vandré - Uma Canção Interrompida", ed. Kuarup).

Do novo livro sobre personagem tão misterioso, sai-se com uma constatação: que personagem misterioso! Pouco se avança na solução do enigma –se é que há uma.

Não é o caso de culpar Santos, cujo esforço é notável, assim como sua honestidade, pois assume ter se valido de fontes secundárias –inclusive o livro de Nuzzi– para suprir a ausência das primárias: Vandré, hoje com 80 anos e vivendo em São Paulo, recusou-se a falar, e algumas das pessoas próximas a ele, idem.

Pode ser que nem existam, mas a falta de dados concretos sobre os momentos decisivos da vida de Vandré impede que a história contada vá além do básico: opiniões de quem conviveu com ele e citações de materiais já publicados.

A quadra mais importante vai de 29 de setembro de 1968 a 17 de julho de 1973. A primeira data é quando apresentou, no Maracanãzinho, "Pra Não Dizer que Não Falei das Flores (Caminhando)", que incendiou a plateia do 3º Festival Internacional da Canção, mas foi derrotada por "Sabiá", de Tom Jobim e Chico Buarque.

A canção de versos fortes ("Quem sabe faz a hora/ Não espera acontecer") foi proibida no país em 23 de outubro. Após a decretação do AI-5 (13 de dezembro) e o aprofundamento da ditadura, Vandré fugiu para o Uruguai, vivendo depois em outros países.

Voltou em 1973 dando uma entrevista à TV Globo em que fazia uma espécie de capitulação ("Quero agora só fazer canções de amor e paz"). O regime pode ter afrouxado a vigilância sobre ele, mas sua carreira não voltou a decolar.

Tudo indica que o músico não foi torturado nem preso, mas as pressões sofridas certamente foram grandes.

Sua aproximação da Aeronáutica, a quem dedicou a canção "Fabiana" (1985), pode ter um quê de Síndrome de Estocolmo –quando o agredido se afeiçoa ao agressor. Sempre foi grande, porém, a paixão de Vandré pela aviação.

Santos mostra que a instabilidade psíquica de Vandré é bem anterior a 1968 –e agravou-se depois. Ele brigou com muita gente (Caetano Veloso, Gilberto Gil, Baden Powell etc.) e cavou seu isolamento, alimentado pela paranoia e pelo pensamento errático.

O jornalista faz uso excessivo de relatos sobre a "loucura" de seu personagem. Alguns depoimentos pouco servem se não para estigmatizá-lo ainda mais.

Há ressalvas, mas o livro é bem escrito e farto de informações para se conhecer mais sobre o paraibano Geraldo Pedrosa de Araújo Dias ("Vandré" é nome artístico). O enigma, no entanto, ainda não foi decifrado.

Vandré: O Homem Que Disse Não
Jorge Fernando dos Santos
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O interesse que temos pelo mito dificulta a avaliação das qualidades musicais de Vandré. Elas existem, como provam "Fica Mal com Deus" e "Disparada", mas não estão representadas em "Caminhando", uma canção simplória que ganhou vulto por causa do momento do país.

Hoje, é cantada em passeatas que pedem a volta da ditadura. Perversa, a história realmente se repete como farsa.

LUIZ FERNANDO VIANNA é autor de "Aldir Blanc - Resposta ao Tempo" (Casa da Palavra).

VANDRÉ - O HOMEM QUE DISSE NÃO
AUTOR Jorge Fernando dos Santos
EDITORA Geração
QUANTO R$ 39,90 (312 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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