Folha de S. Paulo


crítica

'A Última Tentação', de Nikos Kazantzákis, é terrível insensatez

"A Última Tentação", de Nikos Kazantzákis, é exemplo perfeito do livro famoso pelos motivos errados. Em 1954, o romance entrou para o "Index Librorum Prohibitorum", lista de obras proibidas pela Igreja Católica Apostólica Romana, e seu autor foi excomungado pela Igreja Ortodoxa Grega. Três décadas mais tarde, o filme de Martin Scorsese ("A Última Tentação de Cristo") colocou a cereja no bolo.

Os fatos extraliterários não mudam, entretanto, a realidade: Kazantzákis é um autor de segunda linha que produziu obra variada -incluindo literatura de viagem, memórias, ficção, peças de teatro e poesia-, mas da qual se pode ler, com relativo proveito, apenas "Zorba, o Grego".

"Odisseia: Uma Sequência Moderna", que ele reescreveu sete vezes durante 13 anos, é um conjunto verborrágico de 33.333 pentadecassílabos iâmbicos, somatório das suas confusas influências filosóficas, que iam de Henri Bergson a William James, passando por Nietzsche e por um tipo de neo-adocionismo, revivescência de uma antiga heresia.

Essa prolixidade pode ser reencontrada em "A Última Tentação", no qual os estarrecimentos e hesitações de Jesus se repetem cansativamente, transformando-o num tolo perplexo e sem vontade própria.

O intuito de Kazantzákis é nobre. Ele diz, no prólogo, que seu objetivo foi "fornecer um modelo supremo ao homem que combate, para mostrar que não é preciso temer o sofrimento, a tentação e
a morte, pois tudo isso pode ser vencido e já foi vencido".

Contudo, ao exagerar a humanidade do personagem, criou alguém que titubeia frente ao próprio dever não com angústia justificável, mas de forma atabalhoada, movido por exorbitante atemorização.

A Última Tentação
Nikos Kazantzákis, Maria Ribeiro Donatiello
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Não estamos, portanto, diante de um problema teológico, mas literário: a verossimilhança foi morta, enterrada e substituída pelo que minha professora primária recomendava fazer nas composições: florear, isto é,
ornamentar o que poderia ser dito de maneira objetiva.

Essa retórica piora quando descobrimos o simbolismo superficial de Kazantzákis, pois colocar Jesus como um carpinteiro especialista em fazer cruzes é, no mínimo, propor uma associação de ideias evidente demais.
A longuíssima cena da tentação de Cristo é o fecho tedioso. Pretende-se complicar o que foi escrito em linguagem límpida. Não se trata de heresia, mas de terrível insensatez.

RODRIGO GURGEL é crítico literário, autor de "Esquecidos & Superestimados" (Vide Editorial).

A Última Tentação
QUANTO: R$ 59,90 (520 PÁGS.)
AUTOR: NIKOS KAZANTZÁKIS
EDITORA: GRUA LIVROS


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