Folha de S. Paulo


Ignoro críticas sociais que interfiram nos meus filmes, diz Tarantino

Quentin Tarantino se remexe na cadeira e suspira antes de responder. Dá para perceber que os quatro assessores que acompanham atentamente a entrevista ficaram tensos: uma pergunta proibida foi feita. A gagueira, que havia precedido todas as respostas do diretor, até cede um pouco.

"Meu trabalho é ignorar qualquer crítica social que possa interferir na forma como conto uma história ou como meus personagens se relacionam", diz ele à Folha.

O cineasta americano esteve em São Paulo em novembro para promover seu mais recente filme, "Os Oito Odiados", que estreia no dia 7 de janeiro e que, segundo promete, será o antepenúltimo da carreira.

Beatrice de Gea/The New York Times
Writer and director Quentin Tarantino at Do Hwa in New York, Dec. 4, 2012. Tarantino's newest film,
O diretor Quentin Tarantino posa para foto em Nova York

Mas, antes de explicar qual é a desse seu novo filme e qual foi a pergunta proibida, vamos contar essa história de forma não linear, como nas narrativas dos filmes de Tarantino.

EMBARGO E EXIGÊNCIAS

É setembro, e a reportagem está em Veneza para cobrir o festival de cinema local. Sentada à mesa para tratar do seu novo trabalho em "Anomalisa", a atriz Jennifer Jason Leigh diz que não pode "falar nada sobre esse outro filme de que você quer saber. Nem morta."

Ela se refere a seu papel em "Os Oito Odiados", filme de trama guardada a sete chaves pelos produtores que, ciosos, forçarão os jornalistas brasileiros que assistirem ao longa em primeira mão, em novembro, a assinar um contrato de sigilo: "Vossas senhorias deverão concordar em abster-se de revelar informações sobre ele" até esta segunda (21).

"Vossas senhorias" também são avisadas de outras exigências, estas vindas do cineasta: Tarantino não quer "selfies", não quer que ninguém o pare no corredor do hotel onde ocorre a coletiva de imprensa. "Vamos deixar ele contente, vai", implora o diretor da distribuidora brasileira de "Os Oito Odiados".

Em seu novo filme, Tarantino volta ao universo do faroeste (como em "Django Livre"): na trama, um bando de mal-encarados —caçadores de recompensa, pistoleiros e outros párias— tem de se refugiar de uma forte nevasca dentro de uma mesma cabana.

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Assim como em "Cães de Aluguel" (1992) há desconfiança entre eles: John Ruth (Kurt Russell) precisa levar Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh) à forca, mas crê que há comparsas dela na cabana.

"Queria dramatizar os efeitos da Guerra Civil Americana e como as pessoas viveram os efeitos dela, cheias de ódio", diz o diretor. "Não é um revisionismo histórico, é uma teatralização", afirma Tarantino, que já reimaginou a História ao fazer Hitler ser metralhado por soldados americanos em "Bastardos Inglórios" (2009).

ATOR 'TARANTINESCO'

No elenco, ele volta a escalar os "comparsas" de sempre: além de Russell, Samuel L. Jackson e Tim Roth (o último também veio ao Brasil).

"Quentin requer um tipo específico de ator", afirma Roth. "Eu tinha trabalhado com [o diretor e dramaturgo] Tom Stoppard e os dois têm uma similaridade de ritmo."

"Ritmo que às vezes pode ser rap, rock, poesia, mas que eu defino como uma sensibilidade ao meu texto", completa Tarantino. Um ator "tarantinesco", diz, "tem de sacar as minhas piadas. O trabalho deles é vender essas piadas".

PRÓLOGO E EPÍLOGO

Tarantino, nascido no Estado do Tennessee, filho de um ator de origem italiana, firmou-se no cinema independente americano com filmes lotados de referências —da música pop à produção B dos anos 1970—, boa parte devorada em seus tempos de atendente de locadora de vídeo.

Lotados também de violência: cabeças decepadas no fio da espada, rostos que explodem a tiros de metralhadora.

Em "Os Oito Odiados" não é diferente: a cena inicial, em que o personagem de Samuel L. Jackson arrasta uma pilha de corpos pela neve já dá indícios. Daisy (Jennifer Jason Leigh) leva vários socos na cara durante o filme —um deles, bem à la Tarantino, a faz voar da diligência em que viaja.

A TAL PERGUNTA

Na coletiva de imprensa após a exibição do filme, Tarantino repete que quer se aposentar depois do 10º filme (mas que adoraria escalar Johnny Depp e Kate Winslet antes), diz que nunca trabalharia com Spike Lee e solta vários "fucks", para risada geral dos jornalistas brasileiros.

Os 8 amados

Antes de falar a sós com o diretor, a reportagem escuta nos bastidores: "Ele diz que não irá responder questões políticas. Se ele se zangar, abandona a entrevista no meio".

Em 2013, numa entrevista à emissora britânica Channel 4, o cineasta se recusou a traçar um paralelo entre a violência de seus filmes e a fora deles.

A Folha repete a pergunta. Tarantino se agita, mas responde que seu trabalho é ignorar críticas sociais que "interfiram" em suas histórias.

"Sempre sou perguntado sobre isso, às vezes de forma acusatória", diz. "Acontece que a moral social muda, e os filmes, não. Eu não titubeio nas histórias que eu conto. Porque eu acredito 110% no que faço." E bate na mesa.


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