Folha de S. Paulo


Patrimônio de Herencia, ex-diretor do Municipal, é alvo de investigação

Um rombo de R$ 8 milhões nas contas do Theatro Municipal de São Paulo fez de seu ex-diretor-geral José Luiz Herencia, 40, alvo de investigação da Controladoria-Geral do Município e do Ministério Público Estadual. Suspeita-se que o desfalque seja bem maior.

A movimentação patrimonial de Herencia chamou a atenção dos órgãos, que apuram a negociação de um apartamento avaliado em quase R$ 6 milhões em São Paulo, terrenos em Ilhabela (SP).

A reportagem encontrou registrados no nome dele apenas imóveis de baixo valor na região central de SP. A investigação suspeita de bens transferidos para a namorada dele e dinheiro para a mãe.

Zanone Fraissat/Folhapress
SAO PAULO/SP-BRASIL,09/08/13 - jose luiz herencia â€Diretor-Geral da fundacao Theatro Municipal na Temporada Lirica 2013 com a opera Aida, de Giuseppe Verdi, com a regência do maestro John Neschling no Theatro Municipal.(Foto: Zanone Fraissat /MONICA BERGAMO)
O ex-diretor do Theatro Municipal José Luiz Herencia

Segundo o promotor de Justiça Arthur Lemos, extratos bancários apreendidos na casa de Herencia e da mãe, 72, mostram que produtoras de espetáculos depositaram dinheiro em contas indicadas por ele. "Esses documentos eram guardados fielmente por ela, que também está sendo investigada, com todo cuidado."

Vizinhas do prédio, que fica no bairro de Santa Cecília, disseram que ela está "em choque" com as acusações.

Na casa, além de um computador e vários sacos de documentos, foram apreendidas duas armas de Herencia, que possui porte de ambas.

O promotor diz que deverá apresentar à Justiça ação penal contra o ex-diretor do Municipal somente após analisar as apreensões e colher depoimentos de novas testemunhas.

O ministro da Cultura, Juca Ferreira, de quem Herencia foi assesssor especial e secretário no MinC, pede "cautela", cita o caso da Escola Base (em que donos de uma escola foram acusados de pedofilia quando eram inocentes, nos anos 90) e diz que agora "cabe a Herencia se defender".

A chegada de Herencia ao Theatro foi uma indicação de Juca, ex-secretário municipal na mesma área. Em novembro, ele pediu exoneração do cargo, por "divergências pessoais" –a briga com o maestro John Neschling, diretor artístico da casa, não é segredo.

As farpas são recentes. Em 2010, ele elogiava o maestro em artigo publicado na Folha: à frente da Companhia Brasileira de Ópera, dizia, "Neschling vai levar o melhor da produção operística para todo o Brasil". Em 2009, o time apoiou Neschling no financiamento (via Lei Rouanet) da companhia, com 105 récitas orçadas em R$ 14 milhões.

Quando Herencia assumiu a administração do Municipal, em 2013, os dois consolidaram um projeto dedicado à ópera e deram prioridade à celetização (contratação no regime de CLT) dos artistas.

Em 2015, veio a crise: o financiamento de peças, com Lei Rouanet, previa captação de 26 milhões, mas nem R$ 5 milhões entraram em caixa. A ópera "Così fan Tutte" foi cancelada por falta de recursos. Eles passaram a brigar pela forma como a distribuição de verbas era feita.

Antes de chegar ao Municipal, Herencia já trabalhou nos governos dos tucanos Mario Covas e Geraldo Alckmin, no Estado de SP, e no governo federal sob o petista Lula.

No final dos anos 1990, coordena atividades da Casa de Mário de Andrade, sob tutela da Secretaria de Cultura de Mario Covas. Na virada do século, assessora a pasta estadual na área de música.

De 2000 a 2008, trabalhou para o Instituto Moreira Salles, na área de música e de produções audiovisuais. Em 2007, organizou o 1º Edital Petrobras de Festival de Música.

ASSESSOR ESPECIAL

Fascinado com a presença de Gilberto Gil no Ministério da Cultura, se aproximou dele e de seu número dois na época, Juca Ferreira. Em 2008, ano em que Gil sai e Juca vira titular, Herencia é chamado para ser seu assessor especial.

No ano seguinte, assume a Secretaria de Políticas Culturais. Foi nessa época que o time petista se aproximou de Neschling, logo após a demissão do maestro da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo na gestão José Serra (PSDB).

Em 2011, é convidado pelo tucano Andrea Matarazzo para ser na Secretaria Estadual de Cultura. "Juca me falou muito bem dele. Ótimo cara, estou achando estranho isso. Ele é um cara todo quadradinho, intelectual", disse Matarazzo.

Secretário-adjunto do tucano na época, Luís Sobral é seu sócio no Clube das Artes, em Higienópolis –novo endereço do antigo Clubinho, primeira sede da Associação dos Amigos do Museu da Arte Moderna (AAMAM), da qual os dois fazem parte. A foi um dos endereços alvo de busca e apreensão na quinta (17). O endereço está fechado há semanas, fora eventos especiais.

Herencia também é poeta. Tem um livro de poemas pela Azougue Editorial: "Água Furtada".

OUTRO LADO

José Luiz Herencia não respondeu aos recados com questionamentos sobre as suspeitas relativas à sua evolução patrimonial. Na quinta (17), o ex-diretor do Municipal disse que "a apuração da Controladoria Geral do Município tem clara conotação política".

A investigação contra ele, afirma, seria uma "reação" a seu posicionamento de pedir exoneração do cargo, "justamente por discordar de uma série de episódios que identifiquei à frente da instituição".


Endereço da página:

Links no texto: