Folha de S. Paulo


Dramaturga ex-aluna de García Márquez é nova aposta da Globo

A roteirista Manuela Dias, 38, está grávida de sete meses. "Não à toa", a filha se chamará Helena. "Me perguntam se é por causa do Manoel Carlos. Digo: 'De jeito nenhum. É por causa do Homero'", ri. Estudiosa de grego arcaico e das tragédias clássicas, a novelista coloca no mundo, em 4/1, outra cria: a série "Ligações Perigosas", da Globo.

A autora desloca a história do século 18, um clássico francês de Choderlos de Laclos, para o Brasil dos anos 1920. Ambientada em uma cidade fictícia, enreda os personagens –vividos por Patrícia Pillar, Leopoldo Pacheco, Selton Mello, Marjorie Estiano, Jesuíta Barbosa e Alice Wegmann– em uma trama de sedução e manipulação.

A ideia era distanciar sua adaptação para a TV da famosa versão de e "Ligações Perigosas" para o cinema, dirigida por Stephen Frears (1988). O longa, assim como o livro, ambienta a trama no século 18.

A autora justifica o deslocamento para os anos 1920 porque este é um momento de "ruptura social no Brasil, de um supergrito de libertação da mulher". "Temos personagens mais retrógrados, numa postura mais conservadora, e os 'avant garde', já conectados nesse porvir", explica ela.

Divulgação/TV Globo
A escritora Manuela Dias, autora de
A escritora Manuela Dias, autora de 'Ligações Perigosas'

Diretor de dramaturgia da Globo, Silvio de Abreu diz que a mudança temporal e geográfica empreendida por Manuela são as principais qualidades da minissérie.

O autor elogia a colega, que assina sozinha uma ficção televisiva pela primeira vez. Antes de "Ligações Perigosas", Manuela colaborou com o roteiro de "A Grande Família", em 2012, e com as tramas das novelas "Joia Rara" (2013) e "Cordel Encantado" (2011).

"O trabalho da Manuela Dias é jovem, talentoso, original, ao mesmo tempo popular e de grande qualidade. Foi uma das gratas surpresas que tive quando comecei a selecionar os textos dos novos autores", elogia Abreu. "Sem dúvida, ela é uma grande aposta."

Uma aposta que, em 2004, Manuela resolveu fazer em si mesma: deu um tempo como roteirista do canal quando descobriu que fora aprovada em um curso de um mês com Gabriel García Márquez, na Escola de Cinema de Cuba.

A autora compartilhou, durante um mês, aulas do Nobel colombiano –morto em 2014 aos 87 anos– com outros oito alunos. "Ele era uma pessoa totalmente divertida. A aproximação dele do drama era pelo coração. Quando alguém começava a contar uma história chata, com que ele não se identificava, interrompia na hora e sem nenhuma formalidade dizia: 'Cícero, cuál es la buena?'. Ele não queria ouvir história chata", conta.

Nem Gabo nem ela. "Invisto em cenas com topo de emoção." Em vez de mostrar os personagens dizendo que vão a uma festa, ela os joga lá.

"O público já é muito treinado e não precisa de cenas explicativas", comenta. "Não dá para pressupor que a audiência é burra, e que por isso tenho que ser didática ou rasa nas questões que vão ser abordadas. As pessoas têm que ser tratadas com o respeito de pessoas sensíveis –se não cultas, com o potencial da sensibilidade."

Já a audiência, Manuela quer fisgar pelo âmago das emoções. "Uma boa dramaturgia precisa ser sentida, mais do que vista. Quero mobilizar o público pelo coração, pelo útero, pelas vísceras. Não pelo intelectual."


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