Folha de S. Paulo


Retratado em 'O Clã', chefe dos Puccio sequestrava para manter status

Por mais particular que pudesse ser o psicopata Arquimedes Puccio (1929-2013), sua crueldade não pode ser compreendida sem o contexto da violência que tomou conta da Argentina nos anos 1970/80.

Essa figura que atormentou bairros nobres de Buenos Aires, ao sequestrar e matar pessoas conhecidas, seguiu assombrando por muitos anos, em entrevistas que misturavam uma nítida paranoia com detalhes no mínimo assustadores sobre bastidores da atuação da SIDE (o serviço secreto) e das unidades de inteligência do Exército, dos quais participara.

O folclore popular sangrento que se construiu ao redor do clã Puccio sempre lembrou os argentinos de que o inimigo não vinha de fora nem era alheio à sociedade, podendo se parecer muitíssimo ao pacato vizinho que, como ele, passava largas horas do dia a varrer a calçada.

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Cena do filme argentino El Clan, de Pablo Trapero, que esta na mostra competitiva do festival de Veneza. Foto: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Cena do filme argentino "O Clã"

Nos últimos tempos, instalou-se a ideia de que o horror da ditadura argentina (1976-83) começou no dia do golpe militar contra Isabel Perón, opondo Estado e guerrilha. Mas há um período anterior bastante nebuloso, em que forças como a Triple A (esquadrão da morte criado na gestão Perón) atuaram e cujas práticas de torturas e desaparições foram continuadas no regime dos militares.

Arquimedes Puccio foi uma peça dessa monstruosa engrenagem. Quando o país se redemocratizou, em 1983, ficou sem uso, e teve de ser aposentado.

O filme mostra que, mais do que necessidade financeira, Puccio sentia-se mal por não mais pertencer a uma espécie de "clube oficial de salvadores da pátria", que era como se enxergavam, de modo geral, os repressores. Arquimedes vai às reuniões de militares veteranos, mas já não se encaixa. E, ao escolher como vítimas pessoas conhecidas de seu círculo, deixava mostrar a angústia que sentia por não ter mais o status que o posicionava bem na sociedade de Buenos Aires.

Sequestros por dinheiro, porém, não foram exclusividade do aparato repressor. Os montoneros [guerrilha de esquerda] também os realizaram, como no também cinematográfico caso dos irmãos Born, em 1974, pelos quais pediram nada menos do que US$ 60 milhões. Sua história ainda não virou filme, mas é contada num livro recém-lançado, "Born" (Sudamericana), da jornalista Maria O'Donnell.

MACRI

"O Clã" como a sociedade argentina saiu doente da ditadura e seguiu assim por muitos anos, mesmo voltando a ter eleições regulares. Ainda hoje, mostra sequelas de uma divisão que, se ainda existe, pelo menos não vem banhada de tanto sangue.

Um exemplo dessas permanências está na trajetória, justamente, do novo presidente argentino, Mauricio Macri, que também foi vítima de esquema criminoso parecido ao dos Puccio.

Em 1991, ao chegar em casa de madrugada, Macri, então o jovem filho de um dos empresários mais ricos do país, foi sequestrado por uma quadrilha, conhecida como "gangue dos policiais", outro grupo de agentes que havia continuado a realizar sequestros e a fazer desaparecer gente, mesmo depois de finda a ditadura. Depois de doze dias de cativeiro e um resgate de US$ 6 milhões pago, o homem que recebeu ontem (10) o bastão presidencial, foi libertado.

O CLÃ (El Clan)
DIREÇÃO Pablo Trapero
ELENCO Guillermo Francella, Peter Lanzani, Gastón Cocchiarale
PRODUÇÃO Argentina/Espanha, 2015, 16 anos
QUANDO em cartaz


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