Folha de S. Paulo


Fã de Bowie, diretor domou nervosismo para criar com ídolo

O diretor belga Ivo van Hove, 57, ainda diz que vive em Amsterdã, na Holanda, mas logo acrescenta que é "baseado lá". Neste ano, montou peças em São Paulo, Londres e Nova York, entre outras.

Na última, Off-Broadway, estrearia nesta segunda (7) o musical "Lazarus", de David Bowie, que o convidou e compôs quatro canções novas.

Três semanas antes, na Broadway, fez a estreia americana de "A View From the Bridge", de Arthur Miller, montagem que havia estreado no Reino Unido e recebeu o prêmio Olivier de direção. Antes ainda, em março, na Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, estreou "Song From Far Away", peça inédita de Simon Stephens.

Por telefone, o festejado encenador de clássicos fala do choque que foi encontrar o ídolo e estrear na Broadway. E conta como é criar com autores vivos pela primeira vez, no Brasil e agora nos EUA.

Folha - "A View From the Bridge" é sua primeira peça na Broadway? Fez diferença?

Ivo van Hove - Sim, claro! É um sonho de menino ter uma peça na Broadway. E as críticas são todas muito, muito boas. Não poderia ter sonhado coisa melhor. É um acontecimento na vida, e se dá em circunstâncias muito boas. A primeira vez em que vim, vi "The Elephant Man" em 1980. Não poderia imaginar, 35 anos depois, que eu mesmo trabalharia na Broadway. E conheceria David Bowie!

Como foi a primeira reunião?

Eu estava tão nervoso que... Porque ele é um ícone na música. E para mim, também para a minha vida pessoal. Sou um fã de verdade, conheço muito bem. O primeiro encontro, por eu estar tão nervoso, levou uns 60 minutos até... Ele foi muito aberto, nada que lembrasse uma estrela de rock, teve uma conversa profunda. Queria trabalhar comigo, tinha visto algumas das minhas óperas e peças, tinha obviamente lido sobre mim. E foi muito gentil.

Quais são as suas músicas ou álbuns favoritos de Bowie?

Ah, isso é impossível, gosto de tantas. Agora que trabalho nelas, mais ainda. E a beleza é que é uma obra, não uma ou duas canções. É uma obra profundamente significativa para mim. Por exemplo, nos três álbuns que fez em Berlim quase não há canções, são soundscapes [paisagens sonoras]. Sempre amei, eram tão extremos. A obra toda é como uma grande instalação.

São canções pop, e você trabalha sobretudo com clássicos. Como foi esse novo mundo?

A diferença, na verdade, é que é uma criação. Começamos do nada e criamos juntos uma peça de teatro musical. Agora mesmo, semana passada, mudei algumas músicas, toda a ordem das cenas, então é um processo contínuo de criar juntos. Isso é que é novo. Quando faço uma peça de Shakespeare, ela já está lá, faço uma interpretação. Então esse foi o grande desafio. Ao mesmo tempo, lido com o roteiro, as músicas, o cenário como faço com Shakespeare. Levo a sério, analiso, tento tornar significativo. Não é um "musical para se sentir bem".

Você fez "Rent", outro "rock musical". Algo a ver com este?

Não, nada. Porque a música de David Bowie é, claro, muito, muito, muito melhor.

Qual é a história de "Lazarus"?

É uma sequência de "O Homem que Caiu na Terra". Você vê Thomas Newton 30 anos depois, e ele é um alienígena que ficou na Terra. É visto bebendo gim e tônica o tempo todo. Mas as coisas novamente começam a acontecer em sua vida, e isso eu não posso dizer o que é. Mas são 18 músicas, quatro delas novas, as outras 14 uma mistura com canções que todo mundo, mesmo quem não é fã, vai conhecer. Músicas icônicas e também, um terço delas, músicas mais desconhecidas, que expressam muito bem os personagens e a história. Não queríamos um musical jukebox, com um hit depois do outro. Queríamos que esta música fosse significativa.

Bowie sempre foi teatral.

Este espetáculo não tem nada a ver com a sua carreira como intérprete. É realmente a história de um homem... O espetáculo é no nosso estilo, no estilo de Jan Versweyveld, meu cenógrafo, e meu. Não imitamos seus clipes ou seus shows ou suas roupas. Não, não, não. De jeito nenhum.

No Brasil o trabalho também foi com autor vivo. É melhor?

É diferente, [ri] porque eles ficam sentados comigo nos ensaios. "Song From Far Away", em São Paulo, foi a primeira vez em que fiz isso, trabalhar com autor vivo, e amei. Amei São Paulo. E agora, em "Lazarus", não é só Bowie. Tem Enda Walsh, que faz o roteiro. Dias atrás escrevemos uma pequena cena e cortamos um verso aqui e outro ali. É como ir à fonte de tudo. Falar com Bowie sobre as músicas, o que elas realmente significam, o que significaram no contexto da peça e coisas desse tipo.


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