Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Clark subverte fragilidade jovem em 'O Cheiro da Gente'

Um velho mendigo caído na rua tem seu corpo usado como obstáculo por jovens skatistas que executam manobras radicais. A primeira cena de "O Cheiro da Gente" poderia ser vista como provocação se o papel do mendigo não fosse interpretado pelo próprio diretor, o fotógrafo e cineasta Larry Clark.

Em seu oitavo longa, Clark retoma a obsessão pelos corpos e pelo "não-tô-nem-aísmo" adolescentes que garantiram a repercussão de seus filmes desde "Kids" (1995).

A dissipação em que vive o garoto-prostituto Math, os encontros da turma de skatistas movidos a sexo,drogas e rock'n roll e o modo obsceno como Clark os filma deixam o resultado semelhante a "Kids", só que em Paris.

Divulgação
Adrien Binh Doan e Diane Rouxel em cena de 'O Cheiro da Gente
Adrien Binh Doan e Diane Rouxel em cena de 'O Cheiro da Gente'

A perspectiva amoral que o diretor dá a seus personagens, o misto de fascinação e repulsa na recusa de responsabilidade ou de culpa que seus jovens afirmam pode perturbar quem procura mensagens claras.

Tais marcas de seu estilo peculiar, no entanto, não escondem totalmente que Clark busca um sentido, no fundo uma moral, e que sua estética não se resume a um olhar de velho tarado.

Ao colocar em cena o próprio corpo como objeto, o diretor anuncia o confronto mais profundo e também mais desagradável que torna "O Cheiro da Gente" um filme mais radical do que "Kids".

Se no longa de 1995 o contraponto adulto ao universo adolescente era nulo, neste, o encanto físico juvenil acentua o contraste com o aspecto decrépito dos adultos.

Enquanto Math é retratado como um efebo renascentista, um anjo caído, seus clientes, homens e mulheres, são enrugados, pelancudos e ossudos. Poderiam ser vampiros, mas o filme prefere inverter a fórmula e mostrá-los como frágeis presas do poder sexual da juventude.

Numa sequência excruciante, um cliente é drogado e abusado pela turma de Math, que transforma a casa num playground punk e perverte a ideia tradicional da fragilidade adolescente ou da prostituição como forma de exploração de possuidores sobre despossuídos.

A dimensão moral também vem à tona na representação apática, destituída de afetos ou de laços de confiança dos jovens e que culmina em traições e num suicídio.

Esses subtextos, porém, às vezes ficam apagados pela tendência repetitiva de Clark de confrontar o que público convencional considera aceitável e reafirmar-se como artista transgressor. Quando cede a esse impulso, o filme deixa de ser agudo.

O CHEIRO DA GENTE
(The Smell of Us)
DIREÇÃO Larry Clark
ELENCO Lukas Ionesco, Diane Rouxel, Théo Cholbi
PRODUÇÃO França, 2014, 18 anos
QUANDO em cartaz
AVALIAÇÃO bom


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