Folha de S. Paulo


20 anos após 'Kids', Larry Clark volta a filmar excessos da juventude

Desde que lançou seu primeiro filme, o seminal "Kids" (1995), o americano Larry Clark firmou no cinema cenas de jovens em experiências viscerais de sexo e drogas bem ao estilo das que ele consagrara na fotografia nos anos 1970. Rodou outros sete longas nos últimos 20 anos, incluindo "O Cheiro da Gente", que estreou na última quinta (3).

Em comum, o fetiche naturalista, erótico até, de retratar pelos, suor e peitos descamisados de jovens, especialmente homens, em meio a transas casuais, garrafas de cerveja, seringas e uns lençóis sujos.

"Mas agora já chega de abordar esse universo", diz o diretor à Folha. "Estou escrevendo um roteiro sobre cinco mulheres de várias idades."

Divulgação
Jovens retratados em 'O Cheiro da Gente', novo filme do cineasta americano Larry Clark
Jovens retratados em 'O Cheiro da Gente', novo filme do cineasta americano Larry Clark

A ficção "O Cheiro da Gente" deve ser, portanto, o último olhar poético do cineasta de 72 anos sobre garotos perdidos –aqui, um grupo de skatistas parisienses que alterna as noites entre a prostituição de seus corpos e as baladas em clubes subterrâneos.

Clark faz uma ponta no filme como um tipo de mendigo "cool" chamado de Rockstar pelos garotos. Ganhou o papel "por falta de opção", diz.

"Escrevi o personagem para um outro cara. Mas ele era um 'junkie' que nunca aparecia na hora das filmagens."

É um papel que cai bem em Clark, esse "tiozão punk", veterano da Guerra do Vietnã, que ingressou na fotografia ainda adolescente ajudando a mãe a fazer fotos de bebês.

Nos anos 1960, registrou os hábitos pesados dos jovens suburbanos dos rincões da América. "Tulsa" (1971) reúne fotos em preto e branco de adolescentes que fazem sexo sem pudores, lambem revólveres e se drogam em banheiras –Clark injetava anfetaminas com e como os retratados.

"Queria mostrar coisas a que só eu tinha acesso", diz.

Em 1995, o longa "Kids" causou furor ao exibir atores sem experiência vivendo adolescentes nova-iorquinos em meio à Aids e a drogas euforizantes. Dividiu a crítica entre os que o viram nele um divisor de águas e uma apelação voyeur. Nunca lançado nos EUA, "Ken Park" (2002) trazia cenas de asfixia autoerótica.

"Tive uma infância bem infeliz", diz Clark sobre essa obsessão em tratar da juventude. "Acho interessante abordar as diferentes formas com que as pessoas amadurecem."

A filmografia, diz, é uma espécie de credencial para que seus atores –ou não atores, principalmente– confiem nas propostas do septuagenário.

Septuagenário, aliás, que agora é avô e se preocupa com o que a neta pode enfrentar.

"Garotos sempre serão garotos: inocentes diante das experiências. E hoje filmam tudo o que fazem: festas, sexo, drogas. Tenho medo que essa exposição cause problemas."


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