Folha de S. Paulo


Ator baiano leva a Portugal peça sobre o poeta Gregório de Matos

Gregório de Matos se apresenta: "Eu sou aquele que os passados anos/ Cantei na minha lira maldizente/ Torpezas do Brasil, vícios e enganos". Nascido em 1636 em Salvador, o poeta satirizou a política e os costumes nacionais com grande virtuosismo verbal.

"É um dos maiores poetas da literatura brasileira, mas continua pouco conhecido", observa o ator baiano Ricardo Bittencourt, ex-integrante do Teatro Oficina e um dos fundadores do grupo humorístico Los Catedrásticos.

No início do ano, em passagens por Portugal, onde o poeta estudou e viveu por três décadas, o ator percebeu a pouca familiaridade com a obra de Gregório.

De volta a Salvador, viu que a verve do Boca do Inferno (como Gregório era conhecido) tampouco ecoava ali.

Dessa inquietação, nasceu a peça "Boca a Boca: um Solo para Gregório", escrita e dirigida por João Sanches e com interpretação de Bittencourt.

A montagem estreia na próxima semana em Lisboa, com sessões no Instituto Camões, na quinta (10), e no Teatro da Comuna, de sexta (11) a domingo (13). No início de 2016, Bittencourt pretende fazer uma temporada em Salvador.

O texto alterna poemas com explanações sobre a obra e seu contexto histórico. O ator combina um tom declamatório e outro de conversa. "Não sei se estou fazendo Gregório, mas acho que estou fazendo o meu Gregório", comenta.

Além de apresentar a obra do poeta "maldito", que fazia crítica com humor e unia tradições barrocas a termos de línguas tupis e africanas, a peça busca evidenciar a atualidade dos escritos. "Os textos de Gregório são visionários. Parecem o Brasil de hoje, a política, as questões sociais."

MÚSICA

Bittencourt é acompanhado no palco pelo músico Leonardo Bittencourt (sem parentesco com o ator), que interpreta uma trilha sonora bastante eclética: do axé de Igor Kannário ao rock do Ramones, passando pela MPB de Caetano Veloso –que, por sinal, tomou emprestado do Boca do Inferno os primeiros versos de sua "Triste Bahia".

Segundo o diretor João Sanches, a diversidade musical da montagem é uma forma de mostrar tanto a face rock e contestadora do poeta quanto seu lado pop, que atinge a todos os públicos.

O projeto de "Boca a Boca" prevê desdobramentos, ainda em fase de estudo: seminários, debates, concursos literários. Também engrossa o coro que pleiteia o retorno a Salvador dos restos mortais de Gregório –hoje no Recife, onde o poeta morreu, em 1695.


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