Folha de S. Paulo


crítica

Estoicismo de Sêneca não é menor que o de Platão

Resignação ao destino, indiferença ao sofrimento, consentimento sem esperança. Esse tipo de sentença vem normalmente associada ao estoicismo, escola do pensamento antigo que acabou confundida com os breviários modernos para a busca da felicidade ou com a moral cristã.

"Sêneca e o Estoicismo", de Paul Veyne, parte da vida ambígua de seu maior representante na Roma antiga para mostrar que o estoicismo está longe de ser apenas uma filosofia moral, uma modalidade menor em relação aos grandes sistemas do conhecimento de Platão ou Aristóteles.

Termos como felicidade, paixões, liberdade, vícios e afetos –em geral associados ao voluntarismo moral– decorrem de uma concepção da razão que impõe uma conduta intransigente. Dissecando cada um deles em Sêneca e nos filósofos do período, Veyne mostra como o problema da felicidade coincidia com o ideal do sábio e que ambos eram determinados não por uma realização interior, mas por um reconhecimento público.

"Associar uma arte de viver a uma metafísica, ou melhor, à filosofia da natureza: eis o rasgo de gênio que fundou o estoicismo", escreve o historiador, que acaba de ter outros livros relançados no Brasil ("Elegia Erótica Romana" e "Os Gregos Acreditavam em seus Mitos?", pela editora Unesp).

Dentro dessa arte de viver, a verdadeira liberdade consiste em não ser escravo de suas paixões, já que a razão que as modera e as extirpa funciona, no homem, como os instintos e as garras nos animais: são os utensílios que a Providência dispôs para defesa e constituição de si.

Uma filosofia assim deveria estar (e está) na contramão dos afetos, dos vícios e da luxúria, que nada mais são do que "efeito de um uso inapropriado da razão". Por isso, Veyne dedica prólogo e epílogo aos acontecimentos que cercaram Sêneca e que parecem contradizer a imagem do estoico como um santo laico.

"Cidadão mais famoso de sua época", "uma das maiores fortunas de seu século", Sêneca era um "intelectual no poder" envolvido em intrigas palacianas no período que assistiu à psicose política dos governos de Tibério, Calígula, Cláudio e Nero.

O modo como sua filosofia moral e sua vida pública confluem, culminando no suicídio de Sêneca como "segurança de nossa liberdade e sua mais elevada manifestação", corresponde à parte mais dramática do ensaio, fazendo jus a um filósofo cuja vida esteve à altura das tragédias que escreveu.

SÊNECA E O ESTOICISMO
AUTOR Paul Veyne
TRADUÇÃO André Telles
EDITORA Três Estrelas
QUANTO R$ 45 (280 págs.)


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