Folha de S. Paulo


Autora lança 1º conto de fadas nacional com protagonistas lésbicas

Era uma vez uma princesa chamada Cíntia, que havia sido prometida em casamento para o príncipe Febo, do reino vizinho. Perto da data da cerimônia, vai fazer seu vestido –e descobre que, na verdade, o amor de sua vida é a pobre costureira Isthar.

Após se abrir para os pais, a princesa é presa em uma torre. Sua amada, então, tem de convencer o rei a lhe dar a mão de Cíntia.

Esse é o enredo de "A Princesa e a Costureira", livro infantil que a psicóloga Janaína Leslão lança em dezembro. Voltado para crianças e pré-adolescentes a partir dos dez anos, é o primeiro conto de fadas nacional com protagonistas lésbicas.

No exterior, livros com a mesma temática causaram polêmica recentemente. Em agosto deste ano, a prefeitura de Veneza, na Itália, proibiu que as escolas públicas adotassem os livros "Piccollo Uovo" (pequeno ovo), que traz um pinguim com dois pais e "Jean A Deux Mamans" (Jean tem duas mamães), por considerá-los nocivos à família.

Divulgação
Ilustração do livro
Cíntia e Isthar, o casal lésbico protagonista do livro infantil 'A Princesa e a Costureira', da psicóloga Janaína Leslão

Janaína conta que decidiu escrever um livro que falasse sobre homossexualidade depois de perceber que não havia material para que os pequenos tivessem contato com o assunto.

Assim surgiu a história de Cíntia e Isthar, que Leslão escreveu em 2009 e só conseguiu publicar agora. "Procurei umas 20 editoras, mas só recebi recusas", conta. "Sou uma escritora desconhecida e a história é ousada; era encarada como difícil."

Quando estava prestes a desistir, a editora Metanoia topou a empreitada. Para financiar as ilustrações, iniciou uma campanha no site de "crowdfunding" Catarse. Arrecadou mais de R$ 11 mil.

Usou R$4.500 para fazer os desenhos e diz que irá gastar o resto na produção de um novo livro, "Joana Princesa", sobre transexualidade na infância, que pretende lançar em 2016.

"A população majoritária, hétero e cis [quem se identifica com o gênero que lhe é designado ao nascer] é representada desde sempre nos contos, e é bom que seja, porque é legal ter algo para se identificar", diz. "Mas por que não dar oportunidade para aqueles que nunca tiveram essa identificação? Esse é meu norte criativo."

É por isso, ela conta, que escolheu que Cíntia e a família real fosse toda negra. "Os negros não estão acostumados a se verem representados como reis, rainhas, princesas."

NATURALIDADE

No Brasil, em 2011, a bancada conservadora do Congresso conseguiu que fosse barrado o projeto "Escola sem Homofobia", que deveria distribuir a escolas do ensino médio materiais sobre sexualidades –o famigerado "kit gay".

"A Princesa e a Costureira" chegou a ser procurado, diz Janaína, para integrar o currículo de um curso de pós-graduação."Mas ele poderia ser abordado no segundo ciclo do ensino fundamental [6º ao 9º ano] e no ensino médio."

Para a psicóloga e colunista da Folha Rosely Sayão, o livro só deve ser adotado no ambiente escolar quando os pequenos chegam por volta dos 12 anos e começam a desenvolver pensamento crítico.

"Antes disso, deve ficar a critério da família se querem apresentar o assunto por meio de um livro ou esperar a criança fazer uma pergunta."

O objetivo é proteger as crianças. Não do tema, mas da reação dos pais. Segundo ela, os miúdos lidariam com naturalidade, mas a reação familiar poderia gerar um impacto negativo.

"Nessa idade, ainda são muito dependentes da opinião parental", diz Rosely. "Se existem crianças com atitudes racistas, por exemplo, é porque já observaram isso. Quando se trata de criança, estamos lidamos mais com os preconceitos familiares."

A PRINCESA E A COSTUREIRA
AUTORA Janaína Leslão
EDITORA Metanoia
QUANTO R$ 35 (52 págs.)
LANÇAMENTO dom. (6/12), às 15h, na Livraria Blooks, shopping Frei Caneca, r. Frei Caneca, 569, tel. (11) 3472-2075


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