Folha de S. Paulo


Mostra em São Paulo traz relevos e baleias do escultor Sergio Camargo

Podia ser uma maçã fatiada ao meio ou uma régua escolar quebrada da filha Maria.

O carioca Sergio Camargo (1930-90) partia das pequenezas cotidianas para fabricar relevos e esculturas que podiam se agigantar no tamanho (uma obra com dez peças empilhadas na praça da Sé pesa cinco toneladas) e nas cifras (em 2013, um trabalho seu quadruplicou expectativas e foi leiloado por R$ 5 milhões em NY).

Mais de cem peças de seu legado estão na mostra "Luz e Matéria", que começa neste sábado (28), ocupando três andares do Itaú Cultural, em SP. Boa parte vem de coleções privadas —entre torres e relevos, um jogo de xadrez, torsos femininos e formas em mármore carrara branco ou negro belga (algumas lembram baleias).

Camargo faz parte da geração brasileira que, na segunda metade do século 20, colapsou os conceitos de tela e escultura, como Hélio Oiticica, Lygia Clark e Mira Schendel.

Divulgação
Sergio Camargo esculpindo gesso Foto: Autor Desconhecido ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Sergio Camargo esculpe em gesso

A exposição traz cinco relevos de grande porte, "muito difíceis de serem vistos", diz Paulo Sergio Duarte, que assina a curadoria com Cauê Alves. Hoje, uma peça de 80 cm pode valer US$ 2,4 milhões, calcula.

Há ainda uma réplica do ateliê do artista, com ferramentas de trabalho, cadeira de palha, cinzeiro, lixo "e uma coisa importantíssima, a bandeira do time dele, o Fluminense", brinca o curador.

Uma parede exibe a transcrição de 27 cartas que Camargo trocou, de 1960 a 1980, com Rubens Gerchman (pedia ajuda para fazer uma obra), a curadora Aracy Amaral e outros.

Exibido no espaço, o curta "Se Meu Pai Fosse de Pedra", da filha Maria Camargo, mostra outra faceta do escultor.

Era o homem melancólico que gostava "de tango, arte pré-colombiana, Roberto e Erasmo, sorvete de abacaxi, a malandragem do Moreira da Silva". E odiava "o luxuoso e o ostensivo, heavy metal, novela". "Mas gostava mais de gostar", narra a filha, que tinha 19 quando Camargo morreu.

O filme lembra da má conservação de algumas obras, como o monumento que apodrece numa escola pública.

À Folha, Maria diz que os herdeiros do espólio de Sergio Camargo estão "finalizando questões legais", e que a galeria que o representa, a Raquel Arnaud, tem planos de apresentar trabalhos do pai em Nova York. Ele, que na juventude estudou filosofia com Bachelard na francesa Sorbonne, já foi exposto em Londres neste ano, na Lisson Gallery.

Em 2013, reportagem da Folha trazia uma crítica do curador Paulo Herkenhoff a um suposto "monopólio" de Sergio Camargo na escultura abstrata brasileira –o que só teria acontecido por "manobras de mercado" que levaram ao "mais poderoso lobby de arte instalado no Brasil desde o fenômeno Portinari", disse.

Na época, Herkenhoff lançava "Ascânio MMM: Poética da Razão", sobre o escultor português radicado no Brasil.

"Ele veio sugerindo que Camargo plagiava Ascânio. Não repercutiu. Não vale dar trela", afirma Paulo Sergio.

Maria tem uma outra visão de como Sergio Camargo se inspirava. Conta que, quando ela tinha sete anos, o pai ficava horas sentado na varanda do sítio da família, de frente para o jardim. "Fui pedir algo, e ele disse que não podia, que estava trabalhando", lembra.

A menina estranhou: desde quando olhar para o nada é trabalho? O artista lhe mostrou o "nada": a estranha beleza das árvores de galhos retorcidos. "Ele era cheio dessas coisas."

LUZ E MATÉRIA
QUANDO abertura sáb. (28), 11h; em cartaz de ter. a dom., até 9/2
ONDE av. Paulista, 149, tel. (11) 2168-1777
QUANTO grátis


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