Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Documentário político traz dilema de cubana sem chavões do gênero

Acompanhar o processo de transformação histórica de uma nação por meio de uma personagem é uma premissa rica em potencialidades, mas que também pode resultar em metáforas simplificadoras.

O documentário "Através" se propõe a captar os efeitos imediatos da abertura política de Cuba e da reaproximação com os EUA por meio das experiências de Cinthia, uma jovem em dúvida se permanece no país ou se parte para viver com o namorado em Miami.

Na cena de abertura, em torno de uma discussão doméstica com a mãe, ela é enquadrada do pescoço para baixo. Ouvimos sua voz e nela reconhecemos a ansiedade, mas a imagem apenas enfatiza seu corpo esguio.

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Créditos: Divulgação Legenda: cena do filme ATRAVÉS ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Cena do filme "Através"

A ênfase é necessária, pois seu corpo é que nos guiará pelos territórios, que encontrará outros corpos, será desejado, confrontado e violentado. E também porque evidencia uma personalidade forte, coragem e disposição combinadas com fragilidade e graça.

Cinthia atravessa Havana, cuja arquitetura e automóveis parecem guardados numa cápsula do tempo, vivos, apesar de degradados.

No trajeto, ela cruza com cubanos de diversas idades, com perspectivas distintas dos ideais revolucionários e com expectativas não mais utópicas, mas não esvaziadas de esperanças. Ela se detém com cada um, explora as possibilidades dramáticas de sua personagem como se não estivesse num documentário.

Em vez de adotar o recurso de entrevistas, coloca Cinthia em situações dialéticas, no sentido de arte do diálogo.

Ela aborda os outros como curiosa, questiona sem exercer a função de repórter.

O recurso permite que o filme não caia nos chavões do documentário político ou sociológico, com teses prontas de antemão em busca de depoimentos que as comprovem.

Outra qualidade de "Através" decorre de sua criação coletiva. Assinado por três brasileiros, André Michiles, Diogo Martins e Fábio Bardella, aproveita essa pluralidade para obter diversos registros.

Além da estrutura episódica, orientada pelas chegadas e partidas de Cinthia, eles extraem da porosidade entre o documental e ficcional um material poético e político.

ATRAVÉS
DIREÇÃO André Michiles, Diogo Martins e Fábio Bardella
ELENCO Cinthia Rodrigues Paredes, Geovanys Federico Vistoste
PRODUÇÃO Brasil, 2015, 16 anos
QUANDO em cartaz


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