Folha de S. Paulo


Em livro, professor de Yale reconstrói história da Comuna de Paris

"Paris já conhece o terror há tempos, o que é uma lástima. Em alguns momentos da história, foi o terror do Estado; noutros, o terror que extermina apenas porque o outro é diferente, de outra cor ou de outra religião", diz à Folha o professor de história da Universidade de Yale (EUA) John Merriman, que acaba de ter lançado no Brasil o livro "A Comuna de Paris".

O título em português é pouco feliz, pois não traduz o tom dramático do relato. Em inglês, a obra se chama "Massacre" e apresenta de modo vibrante o que ocorreu nas ruas da capital francesa em 1871, nos 72 dias da Comuna de Paris –insurreição que levantou os habitantes da cidade contra o governo, então recolhido em Versalhes, e criou uma forma alternativa de administração, transformando-se em inspiração para a esquerda no século seguinte.

A Comuna de Paris foi duramente reprimida pelas forças enviadas por Adolphe Thiers (1797-1877), provocando uma verdadeira chacina. Do lado da comuna, foram mortas cerca de 15 mil pessoas, enquanto os rebeldes executaram 68 prisioneiros.

"Os assassinatos cometidos pelos que integravam a comuna são deploráveis, mas a repressão foi tão brutal que ficou evidente a desproporção que a violência pode tomar quando é o Estado quem se prontifica a matar. Por isso, creio que o episódio oferece chaves para entender vários massacres do século 20", afirma Merriman.

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La Commune de Paris en 1871. Enlevement des barricades de la place Vendome, le 23 mai 1871, pendant la semaine sanglante., ****FOTO COM CUSTO PARA ILUSTRADA REPORTER IVAN**** ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Gravura de batalha na place Vendome, durante a Comuna de Paris

Além de fornecer uma sólida contextualização geopolítica da França naquele tempo, logo após uma humilhante derrota para a Prússia, o livro centra a atenção nos personagens que participaram da comuna e numa descrição de como se organizava Paris.

Surgem, então, figuras como a professora anarquista Louise Michel, que recrutava prostitutas para ajudar a cuidar dos feridos nas barricadas. Ou Raoul Rigault, personagem boêmio e controverso que assumiu a polícia e perseguia espiões e líderes religiosos. O aspecto anticlerical da revolta, assim, é contado a partir de desafetos cotidianos. Durante a comuna, igrejas foram ocupadas para serem transformadas em centros comunitários.

Estão também no livro o pintor Gustave Courbet (1819-77), que partiu para o exílio após o episódio, e o arcebispo de Paris Georges Darboy (1813-71), assassinado pelos membros da comuna. "A quantidade de anotações, diários e correspondências que deixaram é imensa. Deixei-me levar por esses fantasmas da comuna e tentei relatar com os olhos deles o que viveram", diz Merriman.

Também há descrições de como a crise política e a guerra foram antecedidas por uma crise urbana. O rápido aumento da população de Paris, que dobrara em poucas décadas, vinha deteriorando setores da capital francesa. Um dos documentos citados conta: "É uma cidade gótica, um lugar de escuridão e cheio de excrementos, desordem, violência e sangue".

No curto período da comuna, foram estabelecidos a autogestão de fábricas, a laicidade do Estado e um sistema em que as decisões eram tomadas de modo horizontal.

AMADORISMO

A narrativa culmina na "Semaine Sanglante" (semana sangrenta), de 21 a 28 de maio, quando as tropas de Thiers invadiram a cidade.

"Ficou evidente o amadorismo das barricadas, a falta de estrutura e de armamento. E também que os soldados atuaram com especial brutalidade. Minha teoria é de que a derrota para a Prússia os havia deixado de orgulho ferido, e eles se vingaram contra a população de Paris", diz o historiador. Nos dias finais, filas eram formadas para execução nas paredes do cemitério de Père Lachaise.

Dono de um apartamento a uma quadra da Redação do "Charlie Hebdo", alvo de terroristas em janeiro, Merriman não estava em Paris no dia dos atentados de 13 de novembro. "Depois do ataque ao 'Charlie', eu sabia que outros iam vir. Também não acho que esse será o último. Há muita tensão em Paris."

Quanto ao tamanho do trauma que o episódio deixará na história, Merriman diz: "A Comuna de 1871 foi um dos quatro grandes traumas que eu considerava terem moldado a França. Além dele, estão a Revolução de 1789, a experiência de Vichy, em 1940, e Maio de 1968. Talvez 2015 entre nessa lista."

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ASCENSÃO E QUEDA

1870

Trabalhadores parisienses obrigam a Assembleia Legislativa a dissolver o império de Napoleão 3º após sucessivas perdas na Guerra Franco-Prussiana. O novo governo é regido pelo burguês Louis Adolphe Thiers, que busca uma negociação com os prussianos. O ato leva à revolta do proletariado francês e de setores da Guarda Nacional. Liderados pelo socialista Louis Blanqui, eles tomam o Hôtel de Ville –a prefeitura de Paris– e se levantam contra o governo de Thiers que, para conter o levante civil, promete deixar o poder e organizar eleições. Os trabalhadores aceitam os termos, mas Thiers não deixa o poder. Blanqui é preso.

1871

A Comuna de Paris
John Merriman
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Thiers assina um acordo de paz com o chanceler prussiano Otto Von Bismarck. Revoltada, a classe operária e a Guarda Nacional tomam o poder em Paris, em março de 1871 –cercam o contingente de Thiers e substituem o governo republicano pela Comuna de Paris, composta por 90 socialistas de diversas vertentes. A cidade passa a ser administrada por funcionários eleitos, as fábricas ficam sob a responsabilidade dos operários, o salário dos professores é duplicado. Mas, em maio, sob o comando da burguesia que havia sido deposta, tropas matam aproximadamente 15 mil pessoas –incluindo mulheres e crianças–, aprisionam outras 38 mil e tomam o poder das mãos dos revolucionários.

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A COMUNA DE PARIS
AUTOR John Merriman
TRADUÇÃO Bruno Casotti
EDITORA Rocco
QUANTO R$ 59,90 (400 págs.)


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