Folha de S. Paulo


Feito à revelia de veto do Irã, filme vencedor em Berlim chega ao Brasil

"Vou encaminhar o pedido de entrevista, mas ele não pode dar nenhuma porque é muito arriscado", adiantou por-email a agente do cineasta iraniano Jafar Panahi. O diretor, condenado em 2010 a seis anos de prisão por denegrir a imagem do governo do então presidente Mahmoud Ahmadinejad, está proibido por duas décadas de deixar o Irã, escrever roteiros, realizar filmes e dar entrevistas.

"Táxi Teerã", trabalho que ganhou o Urso de Ouro no Festival de Berlim deste ano e está em cartaz nos cinemas brasileiros, no entanto, é o terceiro longa que Panahi dirige sem autorização. Também é o que mais se aproxima do cinema exercido pelo realizador antes de sua sentença, com trabalhos como "O Círculo" (2000) e "Fora do Jogo" (2006), que abordavam questões políticas e sociais.

Em "Táxi Teerã", uma espécie de falso documentário, o próprio Panahi se torna um motorista que, ao longo de um dia, recebe entre os passageiros um homem ferido, uma advogada e um fornecedor de DVDs piratas que o reconhece: "Virou taxista? Sem essa, Panahi", diz. "O senhor armou essa cena toda."

Divulgação
Cenas do filme Taxi, do diretor iraniano Jafar Panahi. Foto: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Cena de 'Táxi Teerã', do diretor iraniano Jafar Panahi

"'Táxi' é mais poderoso que os dois filmes anteriores porque reflete os problemas da sociedade", afirma Pooya Abbasian, artista iraniano baseado em Paris que colaborou com Panahi na pós-produção dos três filmes realizados clandestinamente.

"Isto Não É um Filme" foi o primeiro deles. O diretor narra no longa uma ideia para sua próxima história, valendo-se do artifício de que não está banido de atuar nem ler roteiros.

Após finalizar este trabalho, lançado em 2011, Panahi enfrentou uma depressão que durou mais de um ano, período no qual se dedicou a fotografar nuvens –a Folha antecipa uma imagem dessa série, que deve ser exibida em 2016 no Centro Georges Pompidou, em Paris.

Segundo Abbasian, a escolha temática, que representa a primeira incursão de Panahi na fotografia, reflete a situação do cineasta. "É como se, preso em um ponto fixo, a única coisa que pudesse fazer fosse olhar para o alto e ver as nuvens. São imagens simples e poéticas", diz.

Panahi superou a fase depressiva com "Cortinas Fechadas" (2013), filme centrado na ideia da restrição à liberdade, que rendeu ao diretor o prêmio de melhor roteiro no Festival de Berlim, embora não tenha obtido grande respaldo da crítica.

Divulgação
Série sobre nuvens, que o diretor fotografou durante período de depressão, e será exibida no Pompidou, em Paris, no próximo ano ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Série sobre nuvens, que o diretor fotografou durante período de depressão, e será exibida no Pompidou, em Paris, no próximo ano

SENTENÇA

Desde que ganhou o Urso de Ouro, segundo Abbasian, Panahi está mais animado. Entusiasmado com avaliações positivas, o cineasta chegou a dar uma declaração a um jornal local. Foi reprimido por Gholam-Hossein Mohseni-Ejei, porta-voz do Judiciário, que afirmou que as coisas se tornariam mais difíceis se Panahi insistisse em continuar, conta Abbasian.

Jamsheed Akrami, iraniano professor da Universidade de William Paterson, em Nova Jersey, que mantém contato regular com Panahi, lembra que o diretor "foi condenado a seis anos de prisão, mas a sentença não foi executada, o que significa que podem mandá-lo para cadeia a qualquer momento". Ele acrescenta que, a despeito da ameaça constante, Panahi não está em prisão domiciliar, como costuma ser noticiado, e pode circular livremente dentro do país.

O novo trabalho do cineasta é a prova disto. Para realizá-lo, o diretor camuflou três câmeras dentro de um táxi. A filmagem contou com uma equipe de dez pessoas, além dos atores não profissionais e provenientes do círculo pessoal do realizador –entre eles sua sobrinha.

Divulgação
Créditos: Divulgação Legenda: cena do filme TAXI TEERÃ ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O diretor Jafar Panahi como taxista no filme 'Táxi Teerã'

Nenhum membro de sua equipe, no entanto, é identificado nos créditos do filme. A decisão foi uma forma de evitar que os envolvidos enfrentassem problemas. Em "Cortinas Fechadas", por exemplo, os atores Kamboziya Partovi e Maryam Moghadam tiveram os passaportes apreendidos por terem participado em um filme do diretor.

Abbasian conta que, poucos dias antes do início das filmagens de "Táxi", três pessoas desistiram do projeto. Um deles, a quem o artista prefere não nomear, era um diretor de cinema conhecido no país. Em seu lugar, entrou a advogada Nasrin Sotoudeh, que já havia sido presa pelo governo e representa no longa um dos papéis centrais.

Para Abbasian, a situação está cada vez mais complicada. Segundo ele, Pahani tem muitas ideias e precisa encontrar maneiras de realizá-las. "No momento, ele está tirando fotografias. Não há projetos para filmes", diz. "Mas se ele tivesse, não poderia dizer."


Endereço da página: