Folha de S. Paulo


Biografia revela como ator e diretor Ziembinski zombou de Hitler no palco

Em setembro de 1939, abrindo a Segunda Guerra, os soldados de Hitler já controlavam as ruas da capital da Polônia, mas um espetáculo em cartaz no teatro Polski, "Genebra", ridicularizava o ditador alemão e seus colegas italiano e espanhol, Mussolini e Franco.

Foi a estreia mundial da comédia de George Bernard Shaw (1856-1950). O diretor, também ator na montagem, no papel do juiz da Corte Internacional que preside uma audiência sobre os ditadores, era o polonês Zbigniew Ziembinski (1908-78).

Quatro anos depois, já exilado no Rio de Janeiro, ele dirigiria o marco do teatro brasileiro moderno "Vestido de Noiva", de Nelson Rodrigues (1912-80). "Velho Zimba! Ninguém fez tanto quanto esse polonês pelo teatro brasileiro", escreveu depois o dramaturgo e amigo.

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O ator polones ziembinski Foto; Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O polonês Zbigniew Ziembinski no papel de Chopin, em teatro de Varsóvia, em 1937

Antes, em mais de 60 espetáculos como encenador e ator nas décadas de 1920 e 30, trabalhando nas maiores companhias e ao lado dos principais diretores, também fez bastante pelo teatro polonês. Foi professor no lendário Instituto de Arte Teatral, de Varsóvia, como seria depois na Escola de Arte Dramática, de São Paulo.

É o que revela a biografia "Ten Piekielny Polski Akcent" (Aquele Bárbaro Sotaque Polonês, outra frase de Rodrigues sobre o amigo), obra recém-lançada em Varsóvia da pesquisadora polonesa Aleksandra Pluta e que sai aqui em 2016 pela Perspectiva.

ENGAJADO

Aleksandra, 31, em entrevistas feitas em Varsóvia e São Paulo, cita a encenação de "Genebra" como uma das descobertas surpreendentes do levantamento que fez para o livro em seu país.

"Foi um ato tão corajoso, a um mês do começo da Segunda Guerra Mundial", descreve ela. "A peça estreou no dia 28 de julho e ficou em cartaz até 5 de setembro de 1939, já com a cidade ocupada pelas tropas e o público vestindo máscaras de gás." A invasão do país, que marca o início da Guerra, foi em 1º/9/1939.

"Genebra" foi a despedida da Polônia e indica um Ziembinski mais engajado do que se mostraria depois, por aqui. O socialista irlandês Shaw escreveu uma comédia controversa –disponível on-line, em inglês– em que Herr Battler, Signor Bombardone e General Flanco são criticados, mas o império britânico e os Estados Unidos não se saem muito melhor, pelas políticas de exclusão racial.

Só o comissário bolchevique se salva, além das testemunhas, entre elas um judeu perseguido na Alemanha e uma "linda" mestiça sul-americana, da democrática "República do Paraíso Terrestre".

A exemplo de Shaw, relata a biografia, na metade dos anos 1930, Ziembinski fez uma viagem à União Soviética, onde conheceu pessoalmente Meyerhold (1874-1940), diretor russo de influência mundial, com quem chegou a planejar um espetáculo conjunto.

Ziembinski conseguiu fugir da Polônia semanas depois da invasão alemã, tentou se estabelecer na Romênia e depois na França, chegou a encenar peças em Bucareste e Paris, até desembarcar no Rio em 1941.

"Genebra", descreve Aleksandra em seu livro, "terminou mal para alguns dos atores. Jozef Wegrzyn, a quem coube o papel de Hitler, foi preso pela Gestapo, e seu filho foi deportado para Auschwitz, onde acabou fuzilado".

GALÃ

Embora metade das 216 páginas de "Ten Piekielny Polski Akcent" se concentre na trajetória do diretor e ator no Brasil, inclusive sua popularidade pela participação em telenovelas nos anos 1960 e 70, as revelações são maiores no período polonês.

Por exemplo, o fato de ter dirigido um filme e atuado em uma dezena de outros. Hoje poucos se lembram dele no teatro polonês, diz a pesquisadora, mas o encenador e cineasta Zbigniew Koczanowicz (1909-87) deixou o seguinte relato em sua autobiografia, reproduzido por ela:

"Zbyszek [como era chamado] tinha a fama de ser um diretor jovem muito talentoso, e todos previam que teria muito sucesso. Também o vi no palco como ator. Era muito inteligente e, apesar de suas qualidades para galã, desde o começo almejou os papéis característicos."

Foi com esses papéis característicos que o ator Ziembinski se estabeleceu no Brasil, no palco, no cinema e em novelas como "O Rebu" (1974-75, Globo).

Mas na Polônia a sua interpretação mais célebre, segundo Koczanowicz e diversos jornais da época, foi como o pianista polonês Frédéric Chopin na peça "Verão em Nohant", de Jaroslaw Iwaszkiewicz, em cartaz no teatro Maly, em Varsóvia, durante a temporada 1936-37.

No relato de diferentes críticos, sua "caracterização foi excelente", um "desempenho com sutil simplicidade, sem erro, comovente", uma "apurada criação", com "uma máscara ótima, a nuança precisa na voz e em toda a figura, melancolia nos olhos ausentes". Enfim, foi "um grande triunfo do ator, só falou baixo demais".

Quanto às características do diretor, Aleksandra diz não ter encontrado qualquer referência polonesa ao suposto expressionismo de Ziembinski, como tentaram descrevê-lo por aqui. "O ambiente captava todas as influências da reforma teatral europeia. Foi esse o diferencial quando ele chegou ao Brasil."

RAIO-X ZBIGNIEW ZIEMBINSKI

Nascimento e morte
1908, Wielisczka, Polônia - 1978, Rio de Janeiro

Teatro na Polônia
Diretor e ator em Cracóvia, Varsóvia e outras cidades, em mais de 60 peças polonesas e de, entre outros, Shakespeare

Teatro no Brasil
Diretor e ator em companhias como Os Comediantes, TBC e Teatro Cacilda Becker, em mais de cem peças de autores como Nelson Rodrigues, Ariano Suassuna e Pirandello

TV e cinema no Brasil
Ator em novelas como "O Bofe" e "O Rebu" e filmes como "Tico-tico no Fubá"


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