Folha de S. Paulo


CRÍTICA

'Chatô' surpreende ao dar conta de personagem complexo

Eis, enfim, um filme de fato histórico. "Chatô, o Rei do Brasil" é apenas sobre um personagem ou um momento da história do Brasil. É também um acontecimento do nosso cinema. Entre seu anúncio inicial e seu lançamento transcorreram uns 20 anos.

Foram anos de dúvidas, acusações de irresponsabilidade, megalomania, roubo. Para um trabalho tão truncado, podia-se esperar o pior.

Pois aí é que está a surpresa. "Chatô" pode ter mais um sentido histórico, embora menos relevante: é a primeira vez que se faz, de um livro de Fernando Morais, uma adaptação decente.

E Assis Chateaubriand não é um personagem dos mais fáceis. Cidadão Kane à brasileira ocupa um período histórico amplo: ali cabem a Revolução de 1930 e o golpe militar de 1964, a imprensa, a TV, o rádio.

E nisso tudo entra com uma personalidade particular (como um jagunço sofisticado), como sintoma e efeito do atraso brasileiro, como visionário e chantagista, como um tipo dionisíaco.

Ao mesmo tempo, era alguém que não perdeu a percepção do jornalismo como modo de manipulação a ser exercido da pior maneira possível. E, no entanto, esses projetos não raro coincidiam com o que de melhor podia ser feito para o país (veja-se o Masp).

Sintetizar a trajetória desse homem de muitas vidas não é nada fácil. E Guilherme Fontes encontrou um modo eficaz e moderno de fazê-lo: suprimindo a cronologia em favor do modo de ação.

Conhecemos Chatô não pelos acontecimentos em que se envolveu, mas pelas ideias –as melhores e as piores.

Se, por um lado, Fontes conseguiu dar conta desse personagem complexo, teve ainda a gentileza de nos libertar do tipo de narrativa histórica lamentavelmente quadrada a que nos tem condenado habitualmente o cinema brasileiro. E, apesar de todos os tropeços, criar um filme bem atual.

CHATÔ - O REI DO BRASIL
DIRETOR Guilherme Fontes
ELENCO Marco Ricca, Andrea Beltrão, Leandra Leal
PRODUÇÃO Brasil, 1995, 14 anos


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