Folha de S. Paulo


'Zé do Caixão' refaz trajetória do cineasta mais maldito do Brasil

Em 1958, José Mojica Marins gravava seu primeiro longa-metragem, o "primeiro faroeste brasileiro do Brasil", na pequenina São José da Bela Vista (SP). Uma das cenas de "A Sina do Aventureiro" incluía "nu artístico" (peitos na tela) da protagonista vivida pela fogosa Sarita Del Ciel. O diretor foi acalmar o padre da igreja local: "Eva também era pelada".

A certa altura, Mojica manda o pároco catar coquinhos: "Que Deus venha se quiser falar comigo, não me mande seu garoto de recados".

O primeiro episódio da série "Zé do Caixão", que estreia nesta sexta-feira (13), no canal pago Space, lembra a essência blasfema já presente no cineasta. Seis anos depois ele criaria o mais icônico personagem de terror nacional, o coveiro sádico que batiza o programa.

Ana Ottoni/Divulgação
Gravação da série 'Zé do Caixão', com Matheus Nachtergaele
Gravação da série 'Zé do Caixão', com Matheus Nachtergaele

Baseada no livro "Maldito: A Vida e o Cinema de José Mojica Marins, o Zé do Caixão", de André Barcinski e Ivan Finotti, editor da "Ilustrada", a série terá seis episódios de 45 minutos cada. A direção é de Vitor Mafra, que em 2014 fez seu primeiro longa, "Lascados".

"Zé do Caixão" faz parte de uma iniciativa da produtora americana Turner (dona de canais como Cartoon Network) de investir em projetos nacionais –também produziu "#PartiuShopping", do Tom Cavalcante.

Os capítulos retratam bastidores de seis filmes de sua carreira: de "A Sina do Aventureiro" a "24 Horas de Sexo Explícito" (com uma cena de sexo entre mulher e cachorro), passando, é claro, pela criação do personagem Zé do Caixão.

Em outubro, Mojica se confundiu ao olhar uma foto de Matheus Nachtergaele, caracterizado como protagonista. "Tinha que ter mais gente com esta cara", disse à Folha, pensando se tratar dele mesmo.

A SINA DO CINEASTA

As "gigantelas", como diz Nachtergaele na série, sempre foram a sina do filho de uma bailarina e de um toureiro (que virou gerente de cinema).

Este primeiro episódio apresenta José Mojica Marins como um diretor da Boca do Lixo que faz cinema na raça. Vários nomes foram mudados na ficção, que não é 100% fiel à vida de seu biografado.

Na cena inicial, ele dá aulas de atuação –instrui seus alunos, por exemplo, a se imaginar num avião que despenca do ar. Todos viram zumbis, com exceção da pupila loirinha.

"A morte também tem sensualidade", justifica assim ao pedir que as meninas tirem suas blusas.

Mojica, que mais tarde reclamaria de ser esnobado por uma "intelligentsia" cinematográfica, fazia o que podia para tirar seus projetos do papel. Na ficção, por até mil cruzeiros, os alunos podiam comprar papéis em seu filme (o que ofereceu só 150 cruzeiros ganhou o de defunto).

A série mostra que, por um polpudo cheque, ele aceitava até mudar o nome do longa. "A Sina do Aventureiro" foi demanda da mecenas, que achava o título bem romântico e ainda aproveitou para emplacar o irmão como protagonista.

Natchergaele interpreta um Mojica mulherengo e bom de copo –na vida real, ele conta ter tido cinco mulheres ("algumas simultâneas") e sete filhos. Hoje, se recuperando de dois infartos, vive sob cuidados da ex-mulher Nilce, evangélica que foi sua secretária no passado e não gosta que ele beba vinho.

Algumas tragédias marcaram a trajetória do diretor. O que seria seu longa de estreia, "Sentença de Deus" (1956), nunca chegou a ser finalizado. Uma das estrelas, Conchita Espanhol, morreu afogada numa piscina dos estúdios Vera Cruz.

Na série "Zé do Caixão", a atriz Sarita del Ciel (Vanesa Prieto) se envolve em outro infortúnio. (Atenção: spoilers a seguir.)

Ela é baleada no ombro após uma das mulheres de São José da Bela Vista trocar a bala de festim da pistola usada em cena por uma de verdade. Estava com ciúmes do marido, xerife da cidade escalado por Mojica para atuar em "A Sina do Aventureiro", beijando a mocinha.

A cena nunca aconteceu, mas resume bem um compilado de azares na trajetória de José Mojica Marins, o grande maldito do cinema brasileiro.

ZÉ DO CAIXÃO
Quando Sex. (13), às 22h30
Onde Space Brasil


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