Folha de S. Paulo


Em livro, autor português define identidade de vilarejo onde nasceu

Quando tinha 18 anos, José Luís Peixoto seguiu o mesmo ritual da maioria dos jovens de Galveias, lugar com pouco mais de mil habitantes: partiu para estudar numa universidade. Agora, aos 41, retorna à freguesia portuguesa em seu novo romance –que, não por acaso, leva o mesmo nome da terra natal.

"Fui a Lisboa sozinho e levei pouca coisa", diz o escritor ao remoer lembranças. "Nessa época, mantive tudo na casa dos meus pais e voltava com alguma frequência."

Mais tarde, quando terminou o curso de Línguas e Literaturas Modernas na Universidade Nova de Lisboa, estabeleceu-se em Coimbra –148 quilômetros separavam o adulto da criança.

"Hoje, Galveias é sobretudo um lugar da memória e da minha identidade mais íntima", afirma o escritor. "Nasci lá, cresci lá, foi lá que formei grande parte das minhas noções mais essenciais, mas, como quase todos os rapazes da minha idade, saí."

Pedro Loureiro/Getty Images
LISBON, PORTUGAL - SEPTEMBER 15: A portrait of writer Jose Luis Peixoto at Santa Apolonia Railway station on September 15, 2010 in Lisbon, Portugal. (Photo by Pedro Loureiro/Getty Images) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O português José Luís Peixoto em estação de trem em Lisboa

Durante a escrita de "Galveias", ele ficou um bom tempo na terra natal. "Senti muito o abandono e o envelhecimento da cidade e da região."

As memórias de infância –a geografia, os modos– ajudam a compor "Galveias", romance que cheira à terra e fala sobre um povo dividido entre o provincianismo da zona rural dos anos 1980 e a globalização de uma Portugal prestes a entrar na União Europeia.

O escritor lança o romance no dia 14/11, às 18h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (av. Paulista, 2073).

No dia 15, às 18h, Peixoto participa de um bate-papo com Bernardo Ajzenberg na Saraiva do Shopping Pátio Higienópolis. O encontro faz parte dos eventos do Encontro Mundial da Invenção Literária – Emil, um dos três festivais do gênero que tomam a capital paulista neste mês.

'MORRERAM 50 E NASCERAM DOIS'

Uma coisa sem nome rasga o céu e acerta um ponto minúsculo na geografia de Portugal. A coisa cheira a enxofre e, apesar de não devastar a cidade fisicamente, soma-se a uma série de contextos que mexem com os espíritos dos pouco mais de mil habitantes.

"Galveias", romance do português José Luís Peixoto publicado lá em 2014 e agora lançado no Brasil, é uma forma de posicionar sua terra natal, a pequena freguesia de Galveias, no infinito cosmo.

É, ainda, a forma do autor acertar contas consigo mesmo.

"O livro relaciona a identidade com o espaço, a possibilidade de nos sentirmos como parte de um lugar e, dessa forma, nos definirmos", diz. "Todos têm um 'mundo', o que permite uma geografia."

Apoiada na ruralidade característica da obra de Peixoto, a narrativa expõe as vísceras do que há de pior e melhor no homem –e, quanto mais ligada a história à terra, mais próxima está de apresentar as aberrações que se escondem na alma. Exemplo: em uma das cenas, duas mulheres brigam, puxam os cabelos e arremessam fezes uma na outra.

"Há bastante tempo que acredito que há marcas fundamentais da ruralidade que são transnacionais", diz Peixoto.

"É certo que também há diferenças significativas, mas há aspectos essenciais que se mantêm em diversos lugares do mundo. Essas marcas estão essencialmente ligadas à proximidade que os habitantes do interior ainda mantêm com a natureza e ao modo como a vivência numa pequena comunidade é marcante."

A narrativa de "Galveias" começa em janeiro de 1984. No tempo real –aquele que difere da ficção de Peixoto–, o escritor teria dez anos. A forma como o adulto de hoje vê sua terra é menos fascinante que a visão do menino de então.

"Galveias mudou bastante em 30 anos", diz o escritor. "Essa mudança não aconteceu apenas aos meus olhos, faz parte de uma evolução histórica, paralela a este período da realidade portuguesa."

Na década de 1990, os subsídios oriundos da entrada de Portugal na União Europeia minguaram e veio o desemprego, o que levou muitos a migrar para outros lugares. "Aqueles que ficaram são resistentes a quem muito devemos. São eles que guardam a memória física, o espaço, são eles que garantem a continuação da vida no interior de Portugal", diz Peixoto.

A extinção, contudo, se aproxima: "No ano passado, morreram cerca de 50 pessoas e nasceram duas crianças".

Galveias
José Luiz Peixoto
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O lugar e o homem envelhecem ao mesmo passo e, quando chegar a morte, Galveias e Peixoto hão de se reencontrar. "Regressarei nem que seja no fim. Quando morrer, serei enterrado lá. Essa é uma certeza que tenho e que me reconforta."

GALVEIAS
AUTOR José Luís Peixoto
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 44,90 (272 págs.)
LANÇAMENTO 14/11, às 18h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (av. Paulista, 2073, tel. 11-3170-4033)


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