Folha de S. Paulo


Homenageado na Mostra, José Mojica Marins cansou de ser o Zé do Caixão

José Mojica Marins, 79, quer distância de seu personagem principal. Precisos sete palmos. "Não gosto mais de ser chamado de Zé do Caixão", diz o diretor que popularizou o gênero do terror no Brasil com a epopeia do coveiro psicopata à procura de uma mulher para gerar seu herdeiro perfeito.

O criador fabula, agora, matar a criatura que protagonizou sua clássica trilogia, reexibida nesta semana na Mostra de Cinema de SP (que lhe concedeu o Prêmio Leon Cakoff): "À Meia Noite Levarei sua Alma", "Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver" e "Encarnação do Demônio".

Vislumbra um filme em que ele e seu personagem duelem. O diretor o abate com um tiro. "Zé luta por um filho e acaba tendo um. Mas morre antes de ver a criança, que já começa a andar. É meio dramático."

Dramático foi também o último ano. Mojica morreu. Por questão de segundos, mas morreu: em 2014, teve duas paradas cardíacas que paralisaram seu coração. Ficou quase cinco meses na UTI do Incor (Instituto do Coração). Hoje faz diálise e supera novos revertérios, como enfisema pulmonar e gastrite hemorrágica.

Christian von Ameln/Folhapress
SÃO PAULO, SP, BRASIL, 08-06-2011: Ensaio fotográfico sobre cenas de filme de Alfred Hitchcock em SP, sugeridas por cinco cineastas paulistanos; retrato de José Mojica Marins, o Zé do Caixão (Foto: Christian von Ameln/Folhapress)
José Mojica Marins, 79, o Zé do Caixão

Agora, Mojica –que no passado misturava rum com vodca e hoje bebe uma taça de vinho tinto e só– será brindado. A filha Liz Marins (ou Liz Vamp), 39, encomendou 96 garrafas de cachaça envelhecida em barris de carvalho, reedição gourmet de uma antiga pinga do pai, a Marafo.

As doses serão vendidas na abertura de uma exposição no MIS (Museu da Imagem e do Som) paulista sobre Zé do Caixão, neste sábado (31). Mojica é homenageado em outras três frentes: as sessões com suas obras na Mostra de São Paulo, uma nova edição de um livro sobre sua vida, "Maldito", e uma série biográfica no canal pago Space (os dois episódios iniciais serão transmitidos no festival de cinema).

O diretor dá uma garfada no carpaccio ("amo carne crua"), num restaurante do centro paulistano. Olha bem a foto de Matheus Natchtergaele, a caráter como o protagonista da série. O programa contará os bastidores de seis filmes da carreira de Mojica, do faroeste "A Sina do Aventureiro" a "24 Horas de Sexo Explícito", passando, é claro, pela criação do personagem Zé do Caixão.

RECLUSO

"Tinha que ter mais gente com esta cara", diz, confundindo a foto de Nachtergaele com uma dele próprio.

O vaivém por hospitais debilitou mente e corpo de Mojica. Antes, ele adorava a mídia. Ia do "Roda Viva" (TV Cultura), onde criticou estrangeirismos como "um drácula raquítico", ao "Viva a Noite" (SBT), apresentado por Gugu nos anos 1980. Lá Mojica chorou ao lhe cortarem as longas unhas de Coffin Joe (nome de Zé do Caixão no exterior), enquanto um locutor brincava: "Ele é o único amigo que não consegue ler a 'Playboy'".

Agora está recluso. Esta é sua primeira entrevista desde que passou pela maratona hospitalar. "Católico não praticante", filho de uma bailarina e de um toureiro (que virou gerente de cinema), ele queria ter mais dinheiro. "Para fazer as loucuras minhas", afirma.

"Ressuscitar pessoas" seria um belo poder para se ter, diz. Escolheria Beethoven. "Não sou muito fã, mas fez muita coisa diferente. Que nem eu."

Sem a prótese dentária (está no conserto) e de calça e blusa pretas, mantém a aura do personagem que diz querer enterrar. Zé do Caixão lhe deu fama, mas também trabalho.

Parte da "intelligentsia" cinematográfica se recusava a vê-lo como igual –uma das exceções foi Glauber Rocha (1939-1981), que na década de 1960 saía do cinema berrando: "Puta que pariu, esse cara é um gênio!".

"Senti desprezo demais. Lutei muito para mostrar que era um ser humano e deveria ser tratado como tal", afirma.

Anos atrás, Mojica se animava ao falar de projetos em suspenso, como uma nova produção de Zé do Caixão, "Sete Ventres Para um Demônio".

A filha Liz fala em retomar o programa no Canal Brasil, "O Estranho Mundo de Zé do Caixão", para o qual o pai já levou o fotógrafo J.R. Duran e a aspirante a celebridade Geisy Arruda. Sem datas à vista.

Hoje, Mojica leva uma vida pacata, sob cuidados da ex-mulher Nilce, evangélica que não aprecia que ele beba vinho. O diretor conta ter tido cinco mulheres ("algumas simultâneas") e sete filhos.

Quando seu coração parou de bater, no meio de 2014, não viu o filme de sua vida lhe passar pelos olhos. Só lembra do aperto que deu no mais romântico dos músculos. "Achei que ia embora. Foi a única hora em que me entristeci. Não queria partir, não. Não sem realizar mais coisas."

Com um suspiro, reconhece. "Sei que o Zé é imortal. Acho que depois que eu morrer vão falar muito mais dele do que de mim."

*

HORROR NA MOSTRA DE CINEMA DE SÃO PAULO Veja os filmes de terror que tomam as telonas nos próximos dias

"À Meia-Noite Levarei sua Alma"

Neste longa de 1964, Zé do Caixão violenta a mulher do amigo para tentar gerar um filho perfeito
> qua. (28), 19h30, no vão do Masp, av. Paulista, 1.578, tel. (11) 3251-5644

"Esta Noite Encarnarei no teu Cadáver"

Censurado no lançamento, em 1967, o filme teve de mudar uma frase em que o coveiro dizia não crer em Deus
> qua. (28), 19h30, no vão do Masp, av. Paulista, 1.578, tel. (11) 3251-5644

"Encarnação do Demônio"

Último filme de Mojica, que encerra a trilogia do Zé do Caixão. Lançado em 2008, é também o último em que Jece Valadão (1930-2006) atuou
> qui. (29), 22h, no Cinearte, av. Paulista, 2.073, tel. (11) 3285-3696

"Série Zé do Caixão"

Primeiros dois capítulos do seriado inspirado na biografia 'Maldito' (leia texto nesta página). Matheus Natchtergaele interpreta o cineasta
> qui. (29), 19h, no Cinearte, av. Paulista, 2.073, tel. (11) 3285-3696; sáb. (31), 20h, no Espaço Itaú de Cinema - Frei Caneca, r. Frei Caneca, 569, tel. (11) 3472-2362

"Bone Tomahawk"

O americano S. Craig Zahler traz a história de pistoleiros que caçam canibais
> sex. (30), 19h15, no Cinearte, av. Paulista, 2.073, tel. (11) 3285-3696

"A Bruxa"

Feitiçaria no século 17 é a tônica do longa de Robert Eggers
> sex. (30), 23h59, no Cinearte, av. Paulista, 2.073, tel. (11) 3285-3696; sáb. (31), 21h50, no Espaço Itaú de Cinema - Frei Caneca, r. Frei Caneca, 569, tel. (11) 3472-2362; dom. (1º/11), 22h15, na Cinesala, r. Fradique Coutinho, 361, tel. (11) 5096-0585; seg. (2), no Espaço Itaú de Cinema - Augusta, r. Augusta, 147, tel. (11) 3288-6780

"O Quarto Proibido"

Guy Maddin e Evan Johnson narram a agonia da tripulação de um submarino que, com poucas horas de oxigênio, luta para sobreviver
> sex. (30), 16h45, no Cinearte, av. Paulista, 2.073, tel. (11) 3285-3696


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