Folha de S. Paulo


Análise: Moda brasileira ainda depende de estrangeirismo

A palavra crise ressonou tanto nas passarelas da São Paulo Fashion Week, com várias coleções reproduzindo a estética de grifes internacionais, que não cabe mais discutir o que será moda no inverno 2016 segundo os estilistas do evento.

A maioria dos designers está mais preocupada em cobrir o vácuo deixado pela retração no consumo nacional e pelo agravamento da crise do que promover a tão alardeada "brasilidade" que as agências de promoção às exportações brasileiras, como a Texbrasil, pregam.

Não se espera apenas regionalismos ou coleções feitas com rendeiras e comunidades de artesãos –como fizeram Fernanda Yamamoto e Ronaldo Fraga–, mas também não se deve escancarar a submissão implícita aos códigos de vestimenta das grifes Céline e Gucci, como fizeram Iódice, Coven e Animale.

Até nomes desconhecidos por aqui (o americano Rick Owens e o alemão Boris Bidjan Saberi) deram as caras na Bienal do Ibirapuera, palco dos desfiles, na passarela do estreante Renato Ratier, dono da boate D-Edge (SP) e da grife que leva seu sobrenome.

A cópia pode um dia ter sido um objeto de autoafirmação, uma forma de dizer que era possível produzir uma costura tão relevante quanto a dos europeus. Mas repetir a fórmula duas décadas depois de criada a semana paulistana soa como amadorismo.

Houve quem justificasse a obviedade de referências dizendo que não há fronteiras de estilo no mundo globalizado. O que, na prática, significa alinhar-se ao padrão formulado pelos birôs de tendências meses antes dos desfiles.

A equação pode fazer sentido se a ideia é colocar nas araras peças comercialmente palatáveis, mas, num ano em que cai o consumo nacional e se esboça um novo momento das exportações, o plano é um tiro no pé. O que levará o comprador internacional a escolher uma peça brasileira no lugar de uma outra, similar, do seu próprio país?

DESCRENÇA

Soma-se a esse balaio de uniformidade a descrença dos próprios empresários com a passarela. O grupo AMC Têxtil parece ter cancelado definitivamente as apresentações de três grifes do seu portfolio, a Triton, a Forum e a Tufi Duek. Só a Colcci desfilou, como se estivesse ali para mostrar que, mesmo sem Gisele, resiste ao tempo.

Não colou. Tirar da passarela nomes criativos como Eduardo Pombal, estilista da Tufi Duek, e Karen Fuke, designer da Triton, é atestar que não se crê mais no poder do desfile em movimentar o mercado de moda.

A Cavalera também não estava lá, tampouco a 2nd Floor, duas grifes de moda jovem que sempre causaram burburinho com seus desfiles.

É claro que há gente disposta a fazer a diferença, como o mineiro Luiz Claudio, que na Apartamento 03 jogou com noções de androginia sem descambar na alfaiataria simplista, e a carioca Osklen, com sua ode à moda olímpica.

Mas a sensação estampada nas fotos é a de que, mesmo após 20 anos de SPFW, a moda brasileira não se sustenta sem o carimbo estrangeiro.


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