Folha de S. Paulo


crítica

'Olmo e a Gaivota' registra com singularidade beleza da gravidez

Uma barriga que cresce. Esse é o elemento mais "real" de "Olmo e a Gaivota", de Petra Costa ("Elena") e Lea Glob.

Nas ficções que procuram simular essa transformação no corpo de uma mulher, as barrigas falsas são elementos perturbadores, que chamam mais a atenção do que o resto. Aqui, a câmera acompanha uma gravidez com tal proximidade e despudor que não há como duvidar de sua "realidade". A barriga é o que ancora "Olmo e a Gaivota" no documentário.

Mas há um detalhe fundamental. A dona da barriga é uma atriz, seu companheiro, um ator. Olivia Corsini e Serge Nicolai fazem parte do grupo Théâtre du Soleil. Quando Olivia descobre que está grávida, os dois estão em processo de construção de uma versão de "A Gaivota", de Tchékhov.

Divulgação
A atriz italiana Olivia Corsini em cena de "Olmo e a Gaivota", de Petra Costa e Lea Glob

A câmera está em momentos de grande intimidade do casal. Como quando Olivia faz o teste de gravidez e, mais tarde, no jantar entre amigos, quando os planos de manter a novidade em segredo vão por água abaixo ao ser anunciada uma turnê pelos EUA. Olivia quer continuar atuando. "É só pensar um figurino que esconda a barriga", diz.

Nesse mesmo jantar, Olivia sofre um sangramento e pouco depois recebe o diagnóstico de uma gravidez de risco, o que a tira do jogo teatral.

Serge continua. Chega então o momento chave do filme. Olivia em casa, obrigada a fazer repouso; Serge continuando os ensaios. O casal tem uma discussão áspera. Ouvimos então uma interrupção vindo fora de quadro: o pedido de uma das diretoras para repetir a cena. Ouvimos também algumas perguntas sobre como eles se sentem naquela situação.

Tudo o que vimos até aquele momento pode ter sido encenado. Possivelmente, reencenado a partir de situações vividas pelo casal. Ou, talvez, uma parte tenha sido encenada, e outra parte tenha sido realmente captada "no momento". E, a partir daí, mesmo com o elemento "concreto" de realidade (a barriga que cresce), já não sabemos mais.

editoria de arte/Folhapress
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Na fronteira da ostentação metalinguística, "Olmo e a Gaivota" deve boa parte de sua organicidade ao trabalho de Corsini e Nicolai e à montagem de Tina Baz e Marina Meliande.

Graças à delicadeza desses dois trabalhos, os dispositivos de linguagem não roubam a atenção do que é mais importante: a possibilidade de registro de um momento humano de absoluta singularidade –a beleza e a estranheza de uma gravidez, e a transformação que ela causa no corpo e na vida de uma mulher.

OLMO E A GAIVOTA
DIREÇÃO Petra Costa e Lea Glob
PRODUÇÃO Brasil/Dinamarca/ Portugal/França, 2015, livre
mostra sábados (24 e 31), às 19h45 (Espaço Itaú de Cinema - Augusta1) e 19h10 (Reserva Cultural 2); domingo (1°/11), às 13h30 (Espaço Itaú de Cinema - Frei Caneca 2)


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