Escorado pela Netflix, um diretor americano cult resolve fazer um drama de guerra sobre meninos-soldados na África subsaariana. Era grande o risco que "Beasts of No Nation" corria de ser contaminado por um olhar estrangeiro e cheio de lições de moral.
O longa passa razoavelmente incólume por esse desafio. Não promete redenção, ainda que nesse quesito fique aquém do similar "A Feiticeira da Guerra" (2012), de Kim Nguyen. Mas o supera como experiência cinematográfica.
"Beasts" é o melhor trabalho de Cary Fukunaga, cineasta que transitou com desenvoltura do épico romântico ("Jane Eyre") ao noir violento ("True Detective") e agora desce ao coração das trevas para contar a história de Abu (o ótimo Abraham Attah).
Separado de forma violenta da família, o menino é obrigado a lutar nas fileiras de um guerrilheiro violento, mas carismático (Idris Elba).
Do livro que o inspira, o filme toma o ponto de vista infantil que tenta esboçar o horror que vivencia ("tiros que comem tudo pela frente").
Fukunaga, que acumulou o posto de diretor de fotografia do longa, se esbalda em mostrar proezas cinematográficas: num único (e impressionante) plano-sequência registra uma casa ser alvejada, uma mulher ser estuprada e as balas correrem soltas numa das cenas mais violentos do ano.
Outro ponto forte é a atuação de Elba, o senhor da guerra, que consegue insinuar uma sutil fragilidade sem com isso deixar de ser intimidador.