Folha de S. Paulo


Jornalista bielorussa Svetlana Alexievich vence o Nobel de literatura

O Prêmio Nobel de Literatura resolveu neste ano prestar tributo a uma escritora que se dedica à realidade e não à fantasia. A jornalista e escritora bielorrussa Svetlana Alexievich, (pronuncia-se Izvêtlana Aléksievitch), 67 anos, passava roupa em casa quando recebeu, na manhã da quinta-feira (8), a ligação com a notícia de que era a ganhadora do maior prêmio literário do mundo.

Famosa por suas reportagens literárias, ela é a primeira autora de não ficção em 50 anos a ser laureada pela Academia Sueca –o último, em 1964, havia sido o filósofo francês Jean-Paul Sartre, que recusou o prêmio.

Sem livros publicados no Brasil, Alexievich é traduzida em 40 países. Sem citar nomes, a agência Galina Dursthoff, que representa a nova Nobel, informou à Folha que já teve conversas com editoras brasileiras no passado, mas que as conversas não foram para frente.

Por seu trabalho, a autora foi obrigada a exilar-se de Belarus em 2000, depois de ser perseguida pelo governo de Alexander Lukashenko, ditador do país desde 1994 –e só voltou 11 anos depois.

Sua posição crítica ao regime a fez viver em vários países, entre os quais França, Alemanha, Itália e Suíça.

Na entrevista coletiva que concedeu na quinta, em Minsk, após o anúncio do prêmio, ela aproveitou para alfinetar o ditador bielorrusso. Alexievich contou ter recebido um telefonema com os parabéns do ministro da informação da Rússia, mas de ninguém do governo de seu país. "Eles fingem que eu não existo."

A autora também criticou o presidente Vladimir Putin, que planeja construir uma base aérea em Belarus. Alexievich afirmou sentir que seu país foi invadido por "uma força estrangeira". Ao falar da relação de Putin com Lukashenko, a premiada criticou "a cultura colaboracionista com a qual líderes totalitários contam tanto".

Classificada por vezes como história oral, a escrita de Alexievich reúne os relatos de pessoas que viveram o colapso da União Soviética ou participaram da Segunda Guerra. Voltadas para grandes eventos históricos, são obras que tratam de temas como a ocupação russa do Afeganistão, nos anos 1980, e do acidente nuclear de Chernobil, em 1986.

A tragédia, aliás, é assunto de sua obra mais famosa: o livro-reportagem "Voices from Chernobyl: The Oral History of a Nuclear Disaster" (Vozes de Chernobil - A história oral de um desastre nuclear).

A escritora passou dez anos visitando a área do acidente e entrevistou mais de 500 sobreviventes. É uma obra de linguagem simples, que traz uma série de depoimentos de impacto. A obra foi adaptada para o cinema pela irlandesa Juanita Wilson, no filme "The Door", indicado ao Oscar de melhor curta-metragem de 2010.

Em português, há a edição lusitana de "O fim do homem soviético - Um tempo de desencanto", lançando pela Porto Editora neste ano.

Sarah Danius, secretária permanente da Academia Sueca, disse que Alexievich cria "uma história das emoções" e que a escrita da bielorrusa é um "monumento ao sofrimento e à coragem no nosso tempo". "Por meio de um método extraordinário, uma colagem cuidadosa de vozes humanas, Alexievich aprofunda nossa compreensão de toda uma era", diz o comunicado da Academia.

Filha de um casal de professores, Svetlana Alexievich nasceu em 31 de maio de 1948 em Ivano-Frankivsk, hoje Ucrânia. Quando o pai terminou o serviço militar, a família se mudou para Belarus, onde a autora cresceu. Ela estudou jornalismo na Universidade de Minsk entre 1967 e 1972, quando passou a trabalhar em um jornal de Brest, perto da fronteira com a Polônia.

MULHERES

Seu primeiro livro foi "War's Unwomanly Face" (A face pouco feminina da guerra, 1985), para o qual entrevistou centenas de mulheres sobre sua experiência na luta contra o nazismo durante a Segunda Guerra. A obra, considerada subversiva, demorou anos para ser liberada pelas autoridades.

Entre as influências da autora está o trabalho documental sobre a Segunda Guerra realizado pelo bielorrusso Ales Adamovich (1927-1994), criador de um gênero definido como "romance coletivo" ou "coro épico". Alexievich também se inspirou nas anotações da enfermeira russa Sofia Fedorchenko (1888-1959) sobre a experiência dos soldados da Primeira Guerra.

Margarita Kabakova/AFP
(FILES) A file picture taken in 2009 shows Belarus writer Svetlana Alexievich as she poses in Minsk. The winner of the Nobel Literature Prize will be announced on October 10, the Swedish Academy said today. Experts in Stockholm's literary circles suggested Belarussian writer Svetlana Alexievich or Algerian novelist Assia Djebar. AFP PHOTO / MARGARITA KABAKOVA ORG XMIT: KAD024
A escritora bielorussa Svetlana Alexievich, em 2009

Alexievich é a 14ª mulher a ganhar o Nobel desde 1901 –a última fora a canadense Alice Munro, em 2013.

A bielorrussa é também a primeira escritora de uma das antigas repúblicas soviéticas a ganhar o Nobel de Literatura desde a dissolução do bloco. O anterior havia sido Joseph Brodsky, em 1987.

Em entrevista ao canal sueco SVT, Alexievich contou que o Nobel a deixou com um sentimento "complicado", mas ressaltou que o prêmio de 8 milhões de coroas suecas (o equivalente a R$ 3,7 milhões) poderá assegurar a sua "liberdade".

"Demoro muito para escrever meus livros, de cinco a dez anos. Tenho ideias para duas novas obras, então estou feliz porque agora vou ter a liberdade para trabalhar nelas", afirmou a nova Nobel ao canal de TV.

HONRARIA

Concedido pela Academia Sueca, o Nobel premia um escritor por ano pelo conjunto de sua obra.

Para a edição deste ano, a instituição recebeu 259 propostas de nomes e reduziu a lista para 198.

Como prevê o regulamento, as sugestões foram feitas por membros da entidade, escritores já premiados com o Nobel de Literatura e professores universitários convidados.

Os últimos a receberem a honraria foram Tomas Tranströmer (2011), Mo Yan (2012), Alice Munro (2013) e Patrick Modiano (2014).

Em língua portuguesa, apenas José Saramago foi laureado, em 1998.

Confira outros vencedores do Nobel em 2015

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